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Entrevista com Deborah Prates

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Deborah Prates junto com seu cão-guia "Jimmy"
Deborah Prates junto com seu cão-guia “Jimmy”

Caro leitor,

O Blog Deficiente Ciente entrevistou a candidata a vereadora na cidade do Rio de Janeiro, Deborah Prates. Acompanhe a entrevista e conheça as propostas da candidata.

Deficiente Ciente: Conte-nos um pouco sobre sua história.

Deborah Prates: Sou cega faz seis anos. Desse marco para cá constatei que o preconceito e a discriminação são reais. Resido num condomínio faz uns dez anos. Há seis que ouvi dos meus vizinhos: A DRA. DEBORAH É ADVOGADA COMPETENTE, MAS É CEGA. ENTÃO, TEM QUE SAIR DO CONSELHO CONSULTIVO E DAS AÇÕES DO CONDOMÍNIO”. Minha filhota – 12 anos à época da cegueira – foi covardemente discriminada no colégio religioso que frequentávamos desde o maternal por conta da minha bengala. Sofreu o famoso Bullying.

As pseudos amigas se afastaram dela rindo e apontando para mim. Sob os olhos da direção e responsáveis caiu o singelo manto da invisibilidade.

Ninguém via nada! Fui impedida de permanecer no interior do foro central do RJ, pelo próprio desembargador presidente à época, sob a triste alegação de que o seu manual de portaria proibia tal conduta, de sorte a revogar legislação federal e estadual pertinente. Passei a enxergar o mundo com os olhos voltados para a acessibilidade em todos os nuances.

Notei pouca atuação do Ministério Público relativamente aos nossos interesses, valendo destacar a inércia diante das desumanidades praticadas escancaradamente no evento ROC IN RIO. Comprovei que os gestores atuais não têm passado e nem futuro, sendo pessoas “fast”, focando tão-só o presente e indo até a sua exaustão. Vi que o foco da coletividade é somente o consumo exacerbado. Senti que as famílias estão ausentes, pelo que não temos mais PERSONALIDADES ÉTICAS. Visível que a HUMANIDADE ESQUECEU QUE DERIVA DO HUMANO! Pior, ainda, foi ter constatado que muitas organizações que dizem defender nossa “bandeira”, verdadeiramente, NÃO agem com lealdade com o que pregam pelo que deixei algumas por não compactuar com esse desserviço às pessoas com deficiência. Decidi por as mãos na massa e, sob essas considerações, candidatei-me ao pleito eleitoral/2012.

Breve currículo (formação e áreas nas quais tenha trabalhado)

Sou advogada; delegada da CDPD – COMISSÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DA OAB/RJ; coordenadora do projeto ACESSIBILIDADE EM FOCO pela Escola Virtual José Álvarez de Azevedo; escritora e colaboradora em vários sites e blogs; palestrante sobre o tema ACESSIBILIDADE, valendo enfatizar a honra que senti em ter meu nome selecionado para falar no planetário evento RIO +20 – CÚPULA DOS POVOS – na OAB/RJ, cumprindo-me o tema ACESSIBILIDADE; administradora do blog deborahpratesinclui. blogspot.com, cujo foco é a acessibilidade em todos os seus nuances; e autora de vários projetos voltados também para a implementação da acessibilidade para todas as pessoas integrantes dos Grupos Sociais Vulneráveis (não só para os cegos).

Deficiente Ciente: O que motivou a concorrer a uma vaga na Câmara dos vereadores da cidade do Rio de Janeiro?

Deborah Prates: Além das considerações acima que ajudam os amigos a entender a minha recente história, acrescento, outrossim, que a Câmara dos Vereadores da maravilhosa RJ é absolutamente INACESSÍVEL. Duas más experiências vivi relativamente a Casa do Povo Carioca, podendo ser conferidos nas crônicas: A Câmara dos Vereadores/RJ é do Povo? http://deborahpratesinclui.blogspot.com/2012/03/camara-dos-vereadores-rj-e-do-povo.html e “O homem público hodierno”. Quase morri de vergonha quando recebi naquele espaço um amigo deficiente físico que fora me prestigiar na homenagem que recebi da Federação das Donas de Casa com uma linda MOÇÃO HONROSA, viu-se em dificuldades para chegar a cerimônia por ausência da acessibilidade. Vejam detalhes do ocorrido no link http://deborahpratesinclui.blogspot.com.br/2012/05/o-homem-publico-hodierno.html

Então, minha ficha caiu, como se diz na gíria, de sorte que decidi participar desse Estado Democrático de Direito em que vivemos, ao invés de só reclamar. Até para protestar temos que ter exercitado os nossos direitos junto às urnas. Entendi que temos que estar presentes nos parlamentos. Esse negócio de só ficarmos a espera que façam por nós faz parte do meu passado!

Deficiente Ciente: Qual o seu partido?

Deborah Prates: PSDB. Nesse particular informo que andei por vários em busca de apoio à nossa luta sem, no entanto, receber guarida. Outra enorme decepção! Melhor defender as florestas do que investir no HOMEM SUSTENTÁVEL! Bem doido!

Deficiente Ciente: Você ainda não exerceu um mandato público. Quais as bandeiras e projetos que você defende, e o que pretende implantar, caso seja eleita?

Deborah Prates: O foco da minha campanha está sintetizado na frase: CIDADE ACESSÍVEL É PARA TODOS. Nessa minha nova realidade tive a certeza de que a sociedade não está nem aí para as pessoas com deficiência no quesito oportunidade. Fiquei apensar que há seis anos também não enxergava a acessibilidade. Foi preciso estar dentro da necessidade para compreender o quão é importante provar a coletividade que há que ser desvinculada a palavra ACESSIBILIDADE das pessoas com deficiência. Como dizemos no mundo empresarial, o negócio só é bom quando beneficia a todos. Pois é, enquanto apenas o seguimento ficar gritando que quer acessibilidade, em todos os seus matizes, as pessoas com deficiência estarão sós. Verificando o último censo confirmei que o segmento dos idosos aumentou sensivelmente. Ora, se não formos atropelados precocemente pela morte seremos idosos, pelo que necessitaremos de uma CIDADE ACESSÍVEL.

Pensando mais um pouco, constatei (o óbvio) que as pessoas que passam por períodos de limitação temporária (gestantes, membros fraturados, operados, etc.), igualmente precisam de CIDADE ACESSÍVEL. Quando uma pessoa sem deficiência vai comprar ou alugar um imóvel não se preocupa – nem mesmo – em perguntar se o prédio tem acessibilidade, já que não vislumbra que a deficiência anda em paralelo em sua vida, nem se imagina idoso. Assim, por mais esses argumentos, fica cristalino que temos que envolver todas as pessoas na questão acessibilidade, vez ser uma necessidade GLOBAL. De todas as acessibilidades, penso que a principal seja a ATITUDINAL. Precisamos mudar nossos maus hábitos. Se a coletividade não sabe que erra, como corrigir?

Deficiente Ciente: Que avaliação você faz da atual administração da cidade do Rio de Janeiro?

Deborah Prates: Bem ruim. Como falei acima o gestor é “fast”, melhor dizendo a criança deseducada de ontem. Do tipo que fazia guerras de batatas fritas (alimentos) com os aplausos dos responsáveis. Do tipo insensível/desumano. Perfil dos que não têm passado, nem vislumbram futuro. Acostumados a viverem sob o impacto do esgotamento/exaustão. Figura que pratica o consumo exacerbado, onde o holofote é o ter por ter. Humano que não sabe que, para atingir a plenitude da felicidade, basta o necessário, já que o extraordinário é demais! Um ser que só vê na paisagem tijolo, cimento, um ser humano, tijolo, cimento, ser humano Autômato de figura humana que permite que pisos táteis terminem em paredes, meias luas, bueiros, bem como anui que façam rampas fora dos padrões e com hidrantes no meio. Ser que jamais se preocupou em implementar na RJ uma programação visual orientadora dos surdos e pessoas com dificuldades cognitivas. Sustento que solo ressequido/rachado nada produz e, com essa afirmativa, comparo com os cérebros humanos engessados/enlatados pela forma da indústria da moda.

Um comandante que não tem noção de que a rota está errada. Como acertar o rumo do navio?

Deficiente Ciente: Em nosso país há um grande descaso em relação a uma política efetiva de inclusão que viabilize planos integrados de urbanização, acessibilidade, educação, cultura, esporte com metas para a obtenção de um mesmo objetivo: resguardar o direito da pessoa com deficiência.  O que você pensa sobre isso?

Deborah Prates: Penso que é preciso semear o significado da palavra INCLUSÃO. Repito, com muita veemência, em todas as minhas palestras que INCLUIR É PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SOCIEDADE IGUAL PARA TODOS. Logo, bem diferente de integrar. Ontem mesmo – 20/7/2012 – fui a um encontro de arquitetos bem relevante até para o País, onde a entrada era totalmente desprovida de acessibilidade física. Notei cadeirante sendo carregado para vencer os degraus existentes. O que mais dizer, quando na casa dos profissionais legalmente habilitados para o exercício da elaboração de projetos capazes de idealizar/criar qualquer coisa a entrada (cartão de visitas) não obedeça o desenho universal? Contradição permitirem que seus convidados cadeirantes sejam humilhados! No quesito educação vamos capenga das pernas. Em 2012, ainda tentam praticar o POPULISMO AUTORITÁRIO quando, sem qualquer respeito à Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, querem terminar com as escolas especializadas.

Ora, ainda não dispomos de escolas de qualidade e ainda querem nos retirar o DIREITO CONSTITUCIONAL de escolha, valendo dizer de DIRIGIR/COMANDAR a nossa própria vida! A questão é um humano querer ser MAIS igual que o outro! Noutro dia um amigo me contava que viu na cidade de Sidney ônibus parando, rampa de acesso baixando e uma mãe acomodando o carrinho de seu bebê para subir. Após, com uma das mãos, dobrou duas poltronas e encaixou, seguramente, sua criança. Na RJ, nem mesmo as cores dos ônibus são respeitadas para atender pessoas com baixa visão e/ou escolaridade! Inacreditável foi ter ouvido que a fabricante desse coletivo era BRASILEIRA! O site da Câmara dos Vereadores/RJ é inacessível. Até ameaçaram fazer alguma acessibilidade, mas ficou tudo bem precário, em total descaso com os que necessitam de acessibilidade na Internet. Tudo lamentável.

Deficiente Ciente: A falta de conhecimento da sociedade, em geral, faz com que segmentos vulneráveis sejam considerados como um peso, um problema ou até mesmo uma doença crônica. Para você, como esse estigma pode ser superado?

Deborah Prates: Tenho a certeza de que o começo da grande mudança esteja na implementação da ACESSIBILIDADE ATITUDINAL JÁ! Precisamos, para ontem, mudar nossos maus hábitos arraigados na nossa cultura desde o início da civilização. As diversidades são REAIS na natureza, pelo que hão que  ser aceitas como são e não como a coletividade gostaria que fossem. Uma mãe com um filho autista, por ilustração, quer sentir da sociedade que seu filho seja aceito como é e não receber um prêmio de consolação traduzido pela frase insensível: A MEDICINA IRÁ SALVAR SEU FILHO COM ALGUM REMÉDIO! Faz parte do passado confundir deficiência com doença! As pessoas hão que ser vistas antes de suas deficiências! Sou DEBORAH PRATES. Se a cegueira quiser, que me acompanhe! De braços dados com a medicina, contudo, vivendo um dia de cada vez. Imaginem que tenho um projeto de nome BONECOS COM DEFICIÊNCIA que objetiva praticar a acessibilidade atitudinal, de modo a entregar na rede de ensino municipal, como material pedagógico, um kit com dois bonecos. Um cadeirante negro representando as deficiências físicas, e outro cego com cão-guia, representando as sensoriais. Pensei em fazer o inverso do tradicional, melhor dizendo, os baixinhos educarem seus pais ao levarem para casa seus amigos deficientes para interagirem com as Famílias.

Lamentavelmente, nenhuma autoridade me deu confiança. Passei a, em minhas palestras, fazer a seguinte pergunta: VOCÊ COMPRARIA PARA UMA CRIANÇA DE SUAS RELAÇÕES UM BONECO COM DEFICIÊNCIA? As respostas foram as mais variadas. A título exemplificativo informo algumas: “JAMAIS COMPRARIA PARA MEU FILHO UM BONECO ALEIJADO. NÃO DARIA PRA MEU NETINHO UM BRINQUEDO ESTRAGADO! TÁ LOUCA, CLARO QUE NÃO!” E por aí afora para todo tipo de mau gosto.

Deficiente Ciente: Fale sobre sua proposta de alterar os currículos de todos os cursos universitários, a fim de que seja introduzida a disciplina “Iniciação ao Estudo do Direito dos Grupos Sociais Vulneráveis”.

Deborah Prates: Para formarmos personalidades ÉTICAS precisamos, além – é claro – de recuperar a noção de FAMÍLIA, formar profissionais diferentes. Como assim? Com noções acadêmicas sobre os DIREITOS dos Grupos Sociais Vulneráveis. Inicialmente pensei fosse introduzido em TODOS (sem exceção) os currículos dos cursos universitários nova disciplina, qual seja introdução ao direito das pessoas com deficiência. No entanto, fiquei a imaginar que eu mesma estaria discriminando outros seguimentos, na medida em que estaria EXCLUINDO meus semelhantes. Daí foi que exercitei a mente vislumbrando os negros, idosos, crianças/adolescentes, mulheres, ciganos, índios, etc.. Concluí que todos os seguimentos da humanidade que precisem de ações afirmativas para terem respeitados seus direitos básicos de cidadãos deveriam estar UNIDOS. Com a entrada no mercado de profissionais com mentes oxigenadas é que começaremos uma verdadeira mudança comportamental/hábitos. Precisamos investir no HOMEM SUSTENTÁVEL. Como falei incluir é PROCESSO, pelo que lento e sustentável. Caso contrário, continuaremos nessa vidinha de faz de conta! Permaneceremos com médicos ginecologistas que não sabem como atender uma mulher cadeirante, com arquitetos insensíveis a acessibilidade e mobilidade urbana, com engenheiros permitindo que seus contratados façam pisos táteis terminando em paredes, bem como profissionais em geral que julgam as deficiências sensoriais com equivalência as intelectuais, dirigindo-se aos acompanhantes ao invés do cliente cego ou surdo, etc… Basta de sermos tratados com métodos quebra-galhos! No Século XXI, não mais podemos tolerar que sejamos tratados pela coletividade como EXPERIÊNCIAS de laboratórios! Como seres extraterrestres! Formalmente apresentei essa proposta, por escrito, ao final da minha fala na CÚPULA DOS POVOS, manifestação ocorrida na OAB/RJ. Confiram nos links:

Cúpula Povos – DEBORAH PRATES- 1ª parte:

http://www.youtube.com/watch?v=UQWFOtzfa_U&feature=plcp/

DEBORAH PRATES, CÚPULA POVOS, 2ª parte:

http://www.youtube.com/watch?v=v5QMqXNF4IM&feature=youtube_gdata

Considerações finais

Registro meus eternos e sinceros agradecimentos à amiga e guerreira VERA GARCIA (administradora do DEFICIENTE CIENTE) por ter, com seu cérebro VERDE, oferecido essa oportunidade – imparcial – aos candidatos a vereança/2012, esporem seus pensamentos. Grande exercício de democracia e cidadania! Gosto que me enrosco das palavras CASTELO e PRAÇA, pelo que deixo aos amigos uma reflexão: O CASTELO (GESTOR) QUE SE CUIDE, JÁ QUE NÃO SOBREVIVERÁ SEM A PRAÇA (POVO)!

Confiram o lançamento da minha campanha no link abaixo:

Ouçam a minha canção – visando informar a sociedade sobre nós – no link:

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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