Escola inclusiva: Cada um corre do jeito que pode
Caro leitor,
O interessante e reflexivo texto abaixo, foi escrito pelo educador e escritor Rubem Alves.
“Há escolas que são gaiolas, há escola que são asas”
Havia crianças com síndrome de Down. E todas elas trabalhavam com a mesma concentração que as outras crianças. Pareciam-me integradas nas tarefas escolares, como as crianças ditas “normais”. Perguntei ao diretor sobre o segredo daquele milagre. Ele me deu uma resposta curiosa. Não me citou teorias psicológicas sobre o assunto. Sugeriu-me ler um incidente do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Fazia muitos anos que eu lera aquele livro. E eu o lera como literatura do absurdo, coisa para crianças.
Alice, seduzida por um coelho que carregava um relógio, seguiu-o dentro de um buraco que, sem que ela disso suspeitasse, era a entrada de um mundo fantástico. De repente, ela se viu dentro de um mundo completamente desconhecido e maluco, com o chapeleiro e o gato que ria.
No incidente que nos interessa, encontramos Alice e seus amigos completamente molhados -haviam caído dentro de um tanque. Agora, tinham um problema comum a resolver: ficar secos. O que fazer?
A turma da Alice, que era formado pelo pássaro Dodô -esse pássaro existiu de verdade, mas foi extinto-, um rato, um caranguejo, uma marmota, um pombo, uma coruja, uma arara, um pato, um macaco, todos diferentes, cada um do jeito como seu corpo determinava, todos eles pensando numa coisa só: o que fazer para ficar secos.
O pássaro Dodô sugeriu uma corrida. Correndo o corpo esquenta e fica seco. Mas Alice queria saber das regras. O pássaro Dodô explicou:
“Primeiro marca-se o caminho da corrida, num tipo de círculo (a forma exata não tem importância), e então os participantes são todos colocados em lugares diferentes, ao longo do caminho, aqui e ali. Não tem nada de ‘”um, dois, três, já’. Eles começam a correr quando lhes apetece e abandonam a corrida quando querem, o que torna difícil dizer quando a corrida termina.”
Notem a desordem: um círculo de forma inexata, os participantes são colocados em lugares diferentes, aqui e ali, e não tem “um, dois, três, já”, começam a correr quando lhes apetece e abandonam a corrida quando querem.
Assim, a corrida começou. Cada um corria do jeito que sabia: pra frente, pra trás, pros lados, aos pulinhos, em zigue-zague… Depois que haviam corrido por mais ou menos meia hora, o pássaro Dodô gritou: “A corrida terminou!” Todos se reuniram ao redor do Dodô e perguntaram: “Quem ganhou?”. “Todos ganharam”, disse Dodô. “E todos devem ganhar prêmios.”
Acho que o Lewis Carroll estava expondo, de forma humorística, as suas ideias para a reforma dos currículos da Universidade de Oxford, ideias essas que ele não tinha coragem de tornar públicas, por medo de perder seu lugar de professor de matemática.
“Curriculum”, no latim, quer dizer “corrida”, “lugar onde se corre”. Uma corrida, para fazer sentido, tem de ser entre iguais, não faz sentido por araras, ratos e caranguejos correndo juntos. Não faz sentido colocar os “diferentes” a correr junto com os “iguais” Aquilo a que se dá o nome de integração em nossas escolas é colocar os “portadores de deficiência” correndo a mesma corrida dos chamados de “normais”. Nessa corrida, os “deficientes” estão condenados a perder. A corrida do pássaro Dodô é diferente: cada um corre do jeito que sabe e pode, todos ganham e todos recebem prêmios…
Fonte: http://portal.aprendiz.uol.com.br/
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