Educação Inclusiva

Escolas particulares não estão prontas para incluir

Compartilhe:
Pin Share
Marilia do Rosário e seu filho Thiago
Marília do Rosário retirou o filho Thiago, que sofre de epilepsia, da escola após a instituição dizer que não o aceitaria mais

Não haverá sociedade inclusiva, enquanto não tivermos pessoas inclusivas” (Profª Susana Sarmiento).

No último Dia das Mães Marília Vieira do Rosário, 29 anos, não ganhou um abraço do filho Thiago, 3 anos. Também não recebeu um cartão nem se emocionou com a apresentação na festa da escolinha. Na ocasião, enquanto as outras crianças cantavam, Thiago permaneceu parado, com as mãos nos ouvidos. Desde que ele nasceu Marília convive com a síndrome de West do filho, um tipo grave de epilepsia, e está acostumada com o comportamento evasivo do garoto, que não fala. O que a frustrou, porém, não foi a reação da criança, mas a decisão da direção da escola, que, após a festa, comunicou que não aceitaria mais o menino.

“Foi muito difícil. Um mês antes, quando o aceitaram, eu disse que ele tomava os comprimidos, que não tinha mais crises e assinei um termo de responsabilidade por ele no período em que passaria na escola. Ficaram com medo de ele ser agressivo, de outros pais reclamarem, mas aceitaram quando expliquei mais sobre a síndrome. Ele poderia ficar até que eu encontrasse outra escola, mas achei melhor tirá-lo [após o comunicado] e ele está em casa.”

Do outro lado, a coordenadora pedagógica da escola, Tatiana Malinverni, explica o porquê da decisão e argumenta que os pais têm dificuldades em entender quando a escola assume não estar preparada para atender algum aluno. “Eu penso no bem do aluno. Seria fácil aceitá-lo aqui, mas ele não estaria desenvolvendo as capacidades de que precisa. Eu gostaria de ter pessoas especializadas ou o espaço necessários, mas no momento não temos e não acho correto aceitar um aluno sem garantir a ele a educação especializada que requer”, diz.

O caso de Thiago, infelizmente, não é raro. Enquanto as escolas públicas caminham para estarem cada vez mais preparadas para atender alunos com qualquer tipo de deficiência, seja física ou intelectual, nas particulares ainda há dificuldade em achar vagas de inclusão. Das dez escolas particulares procuradas pela reportagem, apenas duas se mostraram abertas a receber um aluno de inclusão intelectual fictício. As outras disseram já ter um aluno de inclusão nas turmas da série em questão, o que seria o limite.

Segundo o presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Paraná, Ademar Batista Pereira, não há uma regra que diga que cada turma das escolas particulares possa ter apenas um aluno com necessidades especiais. Mas essa é uma estratégia pedagógica tomada para não prejudicar as aulas. “Essa limitação não existe porque a escola não quer atender os alunos com necessidades especiais, mas porque ela tem de ter consciência de suas limitações e agir com responsabilidade. De que adianta um pai entrar na Justiça para que a escola aceite o filho dele na marra? Educação é parceria entre escola e família, se a inclusão acontecer à força, que tipo de parceria vai existir? Como vai ser o trabalho com esse aluno?”, afirma.

(Veja: Desabafo de mãe: a inclusão que exclui)

Particular ou pública?

A pedagoga e doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Maria Silvia Bacila Winkeler lembra que perante a lei todos devem ter acesso à educação. E que, dentro da escola, o atendimento pode ser mais facilitado nas instituições públicas, que podem estar melhor equipadas. “Se formos pensar em estrutura física, a pública é melhor, pois recebe financiamentos para espaços diferenciados e salas multifuncionais, o que não existe em muitas escolas particulares”, diz. Mas nem todos estão convencidos da qualidade do atendimento prestado nas escolas públicas, como afirma a psicóloga Miriam Pan, pós-doutoranda em Psicologia na Univer­sidade de Austin, no Texas, Estados Unidos. “Se tivéssemos de fato uma escola pública de qualidade, fazendo uma inclusão de qualidade, provavelmente todos os pais de crianças com deficiências estariam lá e não precisariam bater de porta em porta implorando por vagas nas escolas particulares”, diz.

Acesso não garante qualidade

O grande problema da inclusão é justamente expandir o número de vagas, sem se preocupar com a qualidade do ensino e do atendimento, segundo a psicóloga Miriam Pan, pós-doutoranda em Psicologia na Universidade de Austin, no Texas, Estados Unidos. “Colocamos todos pra dentro da escola, mas para quê?”, questiona. Morando nos Estados Unidos, onde pesquisa a inclusão para seu pós-doutorado, Miriam comenta que o Brasil é um país que tem uma política de inclusão bastante recente e que precisa amadurecer. “Em países como os europeus ou os Estados Unidos a inclusão tem o mesmo discurso, mas é feita com base no fortalecimento da estrutura da educação e investimento em professores e recursos humanos. É um direito da criança com dificuldades estar na escola e ser bem atendida. Nas salas, vai sempre haver um professor regente e um outro habilitado para trabalhar com crianças com necessidades especiais ou um especialista, e não um auxiliar como acontece aqui no Brasil”, diz. Ela também explica que aqui o acesso acontece, mas sem o tratamento que os estudantes precisam. “A inclusão chega sem que a estrutura necessária chegue junto. E não estamos falando só das rampas de acesso ou barreiras arquitetônicas, nós percebemos barreiras em termos de discriminação, preconceito e até indiferença”, diz.

Parceria

O diálogo e o trabalho em conjunto é o que pode fazer com que a inclusão realmente aconteça. E, para que funcione, nada pode ser imposto ou escondido, segundo a pedagoga Maria Silvia Bacila Winkeler. “Um professor que recebe uma criança com deficiência deve ser consultado antes, até para que possa se preparar, assim como os colegas também precisam ser informados para que aprendam a lidar com a situação. Sempre, se temos um novo colega, ele precisa ser apresentado. Precisamos nos conhecer e nos compreender para sabermos agir”, afirma.

Mas ela lembra que, apesar de não ser fácil achar uma instituição adequada para a criança, a luta maior começa com o filho dentro da escola. “Eles precisam olhar com cuidado se a escola do filho realmente aceita a criança e investe na educação dela. Porque,sem isso, é perda de tempo para o aluno e desgaste para a escola e para os pais”, diz. O entendimento entre as partes é fundamental para o aluno e deve ser o objetivo quando se pensa na inclusão, mesmo que ela venha depois de terem sido encontradas muitas portas fechadas.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/

Veja:

Compartilhe:
Pin Share

Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!

Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Importante: Este site faz uso de cookies para melhorar a sua experiência de navegação e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nosso site, você concorda com tal monitoramento.