Histórias de uma professora – Parte 1
Quando meu estágio no curso de magistério chegou ao fim, tive certeza que escolhi a profissão certa, mesmo sabendo da enorme desvalorização dessa profissão em nossa sociedade. Ser professora, definitivamente, seria minha profissão, o meu ofício. O ofício de ensinar, de aprender e a lutar por ideais. Com muito discernimento, o mestre Miguel G. Arroyo, disse que: “O termo ofício não nos remete a um passado artesanal? (…) A educação que acontece nas escolas tem, ainda, muito de artesanal. Seus mestres têm que ser artesãos, artífices, artistas para dar conta do magistério.”
Após minha formatura, fiz inscrição e percorri várias escolas públicas a fim de lecionar. Consegui trabalho em uma escola de educação infantil e uma de ensino fundamental. Iniciei minha carreira como professora eventual, ou professora substituta, como a maioria das pessoas conhecem. Por todas escolas em que passei, primeiro vinha o espanto e a surpresa das pessoas em relação a minha deficiência, depois de um certo tempo, a aceitação.
Se havia preconceito, não percebia, pois estava muito envolvida com o trabalho.
Em 1990, prestei concurso público para professora da rede estadual de São Paulo e fui aprovada. Fiquei extremamente feliz, porque, pela primeira vez, teria uma sala de aula onde poderia atuar como professora titular. Porém, como não fui muito bem classificada no concurso público, atribuíram-me uma escola em um local de difícil acesso. Fiquei sabendo que era uma escola rural e que lecionaria para uma classe de emergência. Classe de emergência, é onde estão agrupados alunos de duas, três ou mais séries. No meu caso, por exemplo, lecionaria para turmas da 2ª, 3ª e 4ª séries na mesma sala. Evidentemente não seria uma tarefa nada fácil, entretanto, como minha vontade de lecionar era muito maior do que a vontade de desistir, aceitei de imediato.
Conversando com a supervisora de uma escola, e pedindo informações a respeito do local, ela me disse que eu precisaria tomar dois ônibus, descer numa rodovia e caminhar um quilômetro, pois os ônibus não faziam aquele trajeto.Como deveria estar na escola às sete horas da manhã, precisaria acordar às quatro e meia. Se não fosse assim, correria o risco de perder a hora e chegaria atrasada na escola.
Dentro do ônibus ficava imaginando como seria a reação das crianças e da diretora da escola, ao se depararem com minha deficiência. Nunca havia lecionado para alunos de uma escola rural, não sabia como lidariam com a deficiência. Estava tão pensativa, que não percebi quando o motorista do ônibus avisou-me que deveria descer naquele ponto. O motorista, um senhor muito simpático, de aproximadamente sessenta anos, me contou que fazia aquele trajeto há vinte anos e conhecia bem a região. Percebi que os passageiros desse ônibus o conheciam muito bem. E por falar em passageiros, observei que alguns deles levavam caixas de verduras e legumes. Aparentemente eram pessoas que trabalhavam em fazendas ou chácaras. Haviam muitas delas naquela região.
Quando desci na rodovia, redobrei minha atenção, pois já tinha ouvido e visto várias reportagens sobre o grande número de acidentes envolvidos nesse lugar. Notei que um grupo de rapazes desceram no mesmo ponto que o meu. Mais tarde, fiquei sabendo que eles eram presidiários e estavam cumprindo regime semi-aberto, trabalhavam de manhã e retornavam no final da tarde para o presídio. Todos os dias faziam o mesmo trajeto que o meu, eram muito respeitosos.
No caminho para chegar até a escola, aproveitei para apreciar a paisagem. O bairro era formado por chácaras e poucas casas residenciais. A rua da escola não era asfaltada e era bastante íngreme, talvez por isso o ônibus não fizesse aquele trajeto. Fiquei imaginando como seria aquele lugar em dias de chuva. Em contrapartida, sentia uma atmosfera de frescor naquele lugar, uma brisa muito agradável.
Enfim cheguei até a escola. Pude ver a alguns metros de distância, vários alunos aguardando, ansiosamente, minha chegada…
Texto escrito por Vera Garcia
Veja também nesse blog:
Histórias de uma professora – Parte 2
A deficiência e a curiosidade infantil
Vera, adorei ler essa postagem. Me fez lembrar de qnd lecionava, tbm dei aulas na zona rural e sei da dificuldade de acesso, mas sei tbm da alegria q eu era recebida. Sem dúvida, foi um tempo muito feliz na minha tragetória como professora. Fiquei com vontade de falar desse tempo no meu blog, posso "roubar" sua ideia?
Bjs!
Obrigada, Andrea! Fico muito feliz que tenha gostado.
Então você deu aula na zona rural, também?! Que bacana!
Pode pegar a idéia que você quiser, querida! Também fui muito feliz nessa época.
Beijos e um bom fim de semana!
Em 2005 eu tive um professor de biologia que foi, além de um ótimo professor um grande conselheiro, e ainda se recordava com carinho do primeiro professor dele numa escola isolada (como chamam essas escolas rurais em Santa Catarina, e onde as classes multi-seriadas ainda são relativamente comuns) em Itajaí, terra natal dele. Os olhos desse meu professor chegavam a brilhar quando ele comentava visivelmente tomado de admiração sobre a deficiência do primeiro professor dele, que não tinha um braço e na única mão faltava o polegar e mais algum dedo, mas não ficava devendo em nada a outros professores.
Que história bonita, Daniel! Gosto muito de ler seus comentários porque eles enriquecem o blog. Obrigada!