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Rio ainda tem muito a fazer para ser acessível após Paralimpíada

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Por Renato Alexandrino

Jogos Paralímpicos deixarão legado numa cidade com problemas de acessibilidade e inclusão social?

Com o fim das competições da Paralimpíada, fica agora no ar uma dúvida importante: que Rio de Janeiro as pessoas com deficiência terão pela frente? Os Jogos Paralímpicos deixarão um legado positivo para os moradores que diariamente precisam mostrar fôlego, paciência e força de atleta para se locomover em uma cidade com problemas de acessibilidade e inclusão social?

Se estamos acostumados a usar os exemplos que vêm de fora, talvez seja melhor pensar duas vezes antes de se inspirar em Londres-2012. Esta é, ao menos, a opinião de Brett Smith, professor da Escola de Esporte, Exercício e Reabilitação da Universidade de Birmingham. A edição britânica dos Jogos Paralímpicos com maior número de ingressos vendidos — foram 2,7 milhões de bilhetes — “bombou” esportivamente, mas não trouxe melhorias significativas justamente a quem mais precisava.

‘É importante que o Rio use a Paralimpíada para melhorar a vida das pessoas além da elite esportiva’- Brett SmithProfessor da Universidade de Birmingham

— Não apenas a Paralimpíada de 2012 falhou em inspirar pessoas com deficiência a praticar esportes, ela falhou e muito em tornar Londres um lugar melhor e mais acessível para essas pessoas — disse Smith por e-mail a O GLOBO.

Para não seguir os passos da capital inglesa, o certo é que o Rio tem ainda muito a fazer. O prefeito Eduardo Paes vê evoluções, mas admite que a capital fluminense está longe do ideal para as pessoas com deficiências.

— O Rio melhorou muito, mas ainda tem longos passos a cumprir para ser uma cidade totalmente acessível. Quanto mais antiga a cidade, mais difícil o desafio. Mas há uma regra que tem que ser essencial agora: tudo o que for feito de novo, a gente tem que fazer pensando na mobilidade e na acessibilidade — disse ao GLOBO o mandatário, que encerra sua gestão de oito anos em dezembro.

Paes aponta que, antes da realização dos Jogos Paralímpicos, o Rio já estava trabalhando para melhorar sua acessibilidade, citando obras como os Centros de Referência da Pessoa com Deficiência e o Bairro Maravilha, além do desenvolvimento do transporte BRT.

— A Paralimpíada inspirou uma série de iniciativas nossas. Temos programas importantes, como o Bairro Maravilha, que recuperou áreas da cidade incluindo rampas nas calçadas. São 8.245 rampas já construídas, e a previsão é de chegar em 11 mil até o fim do ano. Mas, na minha opinião, o projeto mais impactante foi o BRT. As estações possuem rampas e o embarque é no mesmo nível do ônibus, o que dispensa o uso de elevador para entrar no veículo e torna o processo muito mais rápido.

CPB FALA EM MUDANÇA DE PERSPECTIVA

O Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) festejou o sucesso dos Jogos, acreditando em um aumento no número de praticantes do paradesporto nos próximos anos, ao mesmo tempo em que visualiza uma maior inclusão social para os deficientes.

Daniel Dias

— O que se viu nessas duas semanas foi muito intenso. Foi uma experiência ótima para o público, que vai gerar uma mudança de perspectiva. E a visibilidade que conseguimos na TV e nas arenas será ótima para o esporte. O interesse vai aumentar e vamos ter mais praticantes — aposta Edilson Tubiba, chefe de missão do CPB.

No Rio de Janeiro, há quem demonstre ceticismo em relação a melhoras substanciais na acessibilidade. É o caso de Henrique Saraiva, que perdeu os movimentos das pernas após levar um tiro durante um assalto, 19 anos atrás, e que criou a AdaptSurf, organização não governamental que promove a inclusão e integração social de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida através do surfe adaptado.

— Lutamos há quase dez anos na AdaptSurf por uma maior acessibilidade nas praias, o local mais democrático do Rio de Janeiro, e nada disso é fácil. Não acho que a Paralimpíada vá melhorar nada, infelizmente — lamenta Henrique.

Ao mesmo tempo em que critica Londres, o professor Brett Smith alerta para que o Rio não cometa os mesmo erros da cidade britânica.

— É importante que o Rio use a Paralimpíada para melhorar a vida das pessoas além da elite esportiva, senão será mais uma oportunidade perdida e mais um evento caro que beneficia apenas uma pequena quantidade de pessoas.

PEQUIM-2008: SUCESSO NAS PARALIMPÍADAS AJUDOU NA FORMA DE ENCARAR OS DEFICIENTES

Em Atenas-2004, foram 63 ouros e 141 medalhas no total. Em Pequim-2008, 89 ouros e 211 medalhas. Em Londres-2012, 95 medalhas de ouro e 231 no total. No Rio, 107 ouros e 239 no total. Com uma ascensão constante, a China venceu as últimas quatro Paralimpíadas.

A cultura tradicional da China via os deficientes como pessoas inúteis. Agora, os chineses começam a vê-los como pessoas que enfrentam desafios’- Guan ZhixunProfessor da Universidade de Zhejiang

Por trás da chuva de medalhas, a nação bilionária tem mais para comemorar. Desde a escolha de Pequim como sede dos Jogos Olímpicos de 2008, o governo chinês passou a investir fortemente nos esportes — olímpicos e paralímpicos. Junto ao investimento, veio também a oportunidade de aproveitar as as Paralimpíadas como ferramentas educacionais.

O que se viu foi uma mudança de estigma para as pessoas com deficiência em uma sociedade milenar.

— A cultura tradicional da China via os deficientes como pessoas inúteis. Agora, os chineses começam a vê-los como pessoas que enfrentam desafios. Acredito que a atitude dos cidadãos em relação a pessoas com deficiência melhorou rapidamente nos últimos anos — disse Guan Zhixun, professor da Faculdade de Esportes e Saúde da Universidade de Zhejiang, em entrevista à BBC Brasil.

O movimento na China é, de fato, recente. A Federação Chinesa de Pessoas com Deficiência foi fundada apenas em 1998.

— Muito foi feito nesse período, ainda mais considerando o tamanho do país. Comparado com muitos países em desenvolvimento, a China possui uma estrutura expressiva — analisou Alessandra Aresu, da ONG Handicap International, à BBC Brasil.

LONDRES-2012: PARALIMPÍADA QUE DIVIDE OPINIÕES

O legado social e esportivo da Paralimpíada de Londres divide opiniões. Enquanto Brett Smith, professor da Universidade de Birmingham, não mede palavras para criticar a oportunidade perdida pela capital inglesa, atletas discordam e visualizam avanços na cidade.

Medalhista de ouro nos 50m borboleta no Rio-2016, a nadadora britânica Susie Rodgers, que nasceu sem metade do braço e da perna esquerdas, acha que Londres melhorou após a Paralimpíada.

‘Londres-2012 falhou em deixar um legado social para as pessoas deficientes’- Brett SmithProfessor da Universidade de Birmingham

— Londres sempre foi boa para pessoas com deficiência, e está melhor agora. Acho que, por exemplo, o transporte público é bem acessível, é muito fácil circular pela cidade.

Para o professor Smith, a capital inglesa perdeu uma grande chance de se tornar uma cidade mais acessível após o evento de 2012.

— A Paralimpíada falhou também em aumentar a auto-estima das pessoas com deficiência e em trazer atenção para os muitos problemas que elas enfrentam. Em resumo, Londres-2012 falhou em deixar um legado social para as pessoas deficientes.

Brett Smith aponta que, apesar do sucesso de público da Paralimpíada londrina, não houve um reflexo no aumento no número de praticantes de esportes paralímpicos após o evento.

— Muitas pessoas com deficiência na verdade sentiram que a Paralimpíada de 2012 afastou-as do esporte porque os atletas foram retratados como “superhumanos”, que falharam em trazer luz e atenção às realidades diárias que as pessoas com deficiência passam.

TÓQUIO-2020: RUAS ESTREITAS PREOCUPAM GOVERNADORA

Enquanto o Rio se despede da Paralimpíada torcendo pela permanência de um legado social e de acessibilidade, Tóquio espera que o evento que vai receber daqui a quatro anos ajude a cidade a se tornar mais acessível. Com ruas e portas de casas e prédios estreitas, Tóquio deve passar por muitas obras. A governadora Yuriko Koike, porém, disse que a cidade precisa mais do que apenas mudanças físicas.

‘Vamos receber atletas e também espectadores de todo o mundo, e temos que superar os desafios’- Yuriko KoikeGovernadora de Tóquio

— Facilidades sem barreiras no caminho são com certeza importantes, mas acredito que uma mente sem barreiras é igualmente vital — disse Koike no Rio de Janeiro, antes de receber ontem a bandeira paralímpica.

Tornar Tóquio fácil de ser percorrida por pessoas em cadeiras de rodas, muletas ou com problemas visuais é o principal objetivo da governadora de Tóquio.

— Desenvolvemos ruas que são muito estreitas. É um legado de Tóquio. Além disso, as portas não são largas e os tetos são baixos em muitas residências. Vamos receber atletas e também espectadores de todo o mundo, e temos que superar esses desafios.

E os desafios não serão exatamente fáceis. Alargar algumas das estreitas ruas de Tóquio, que muitas vezes não possuem calçadas e são compartilhadas por carros e pedestres, significaria remover postes e instalar cabos e fiações elétricas por baixo do solo.

— Para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos-2020, eu gostaria de alargar algumas ruas retirando postes, então poderíamos melhorar a acessibilidade para todo mundo — resumiu Koike.

Fonte: O Globo

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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