Justiça obriga fornecimento de derivado da maconha a doentes com síndromes convulsivas, Parkinson e Esquizofrenia
Por Geovani Santos
O produto é importado e ainda não há registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A agência tem autorizado o uso em casos graves, quando foram esgotadas terapias
Decisões judiciais têm obrigado a União a fornecer o canabidiol (CBD), substância derivada da maconha, a doentes com diversos tipos de síndromes convulsivas. O produto é importado e ainda não há registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A agência tem autorizado o uso em casos graves, quando foram esgotadas terapias.
O argumento dos juizes e desembargadores é o mesmo usado no caso da fosfoetanolamina, a substância que supostamente trata o câncer mas que ainda não foi testada em humanos: o direito à saúde e dignidade da pessoa humana e a falta de outras alternativas terapêuticas.
No caso do canabidiol, porém, há diversos estudos clínicos demonstrando benefícios em casos de síndromes epiléticas. Outros mais recentes mostram que ela também funciona na doença de Parkinson, esquizofrenia e transtorno de ansiedade.
Neste ano, o Ministério da Saúde gastou R$ 462,3 mil com importações de canabidiol para cumprir 11 mandados de segurança que beneficiaram 13 pessoas -o que dá quase R$ 36 mil por pessoa. Em anos anteriores, não houve ações nesse sentido.
A Folha localizou em pesquisas de sites de tribunais de justiça outras 52 ações com o mesmo teor, obrigando Estados e municípios a arcarem com os custos da importação do canabidiol.
É o caso da família de A., 2 anos, do Rio de Janeiro, que gastava R$ 5.000 mensais
Seringas com canabidiol a ser aplicado em João Pessoa (PB) com a importação do canabidiol para conter as crises de convulsão provocadas por uma síndrome rara, ainda sem diagnóstico fechado.
Antes de acionar o Estado, parentes e amigos faziam “vaquinha” para garantir o remédio. “O remédio é muito caro, mas agora o tratamento da minha filha está garantido”, afirma a mãe, Amanda.
Judicialização
A judicialização se intensificou a partir de março deste ano, dois meses após a Anvisa retirar o produto da lista de substâncias proibidas, liberando a importação com restrições (análise prévia).
Embora haja uma lei federal que proíba o fornecimento e o uso de produtos de saúde sem registro no Ministério da Saúde, o canabidiol entra no rol de casos excepcionais-quando não há outra alternativa de tratamento.
Isso tem gerado um embate jurídico. A Advocacia Geral da União e as secretarias da Fazenda dizem que os governos não devem fornecer um remédio caro, sem registro na Anvisa e sobre o qual faltam evidências sobre a eficácia e a segurança.
O canabidiol pode causar alguns efeitos colaterais, como o sono, mas eles ainda não foram bem definidos porque os pacientes foram acompanhados apenas por períodos curtos de tempo. Não se sabe ao certo se pode haver efeitos colaterais em longo prazo.
A questão financeira também é citada nos recursos. Ao dar liminares, a Justiça impõe um alto custo ao sistema e descoordena as ações do Executivo na área da saúde.
Já os juizes argumentam que são casos excepcionais e que há benefícios comprovados, tanto que a Anvisa e o CFM (Conselho Federal de Medicina) aprovaram o uso no tratamento de algumas doenças neurológicas.
“O canabidiol entra numa zona cinzenta, não é um medicamento porque ainda não tem o nível de evidência para a aprovação como tal. Mas tem sido uma alternativa terapêutica para casos que não tenham outra solução”, afirma Jarbas Barbosa, presidente da Anvisa.
Cautela
Barbosa diz que os estudos disponíveis dão conta de que a substância não produz efeitos tóxicos e traz benefícios a doentes com síndromes epiléticas graves.
Segundo o médico Antonio Zuardi, professor da USPRibeirão e que pesquisa o uso terapêutico do canabidiol, outros trabalhos recentes demonstraram os benefícios e a segurança da substância nos quadros psicóticos e na doença de Parkinson.
Zuardi pondera, no entanto, que é preciso cautela na importação porque alguns produtos apresentam qualidade questionável.
“Esses extratos têm concentrações altas de canabidiol e concentrações variadas de outros canabinoides [como o THC, substância que tem efeitos psicoativos].”
O pesquisador defende que o país pense em alternativas para baratear o custo do canabidiol (o que frearia a judicialização) e conferir mais qualidade e segurança ao produto usado pelos pacientes. Uma delas seria a produção local da substância.
“Isso facilitaria tanto para as famílias quanto para a União. Teríamos a produção de um produto confiável, o mais puro possível. É muito mais razoável do que o financiamento de outros de qualidade duvidosa.”
Fonte: Jus Brasil