Lei obriga motéis a terem quartos adaptados para pessoas com deficiência
Por Carolina Seixas e Juliana Almeida*
Antônio Zarzar e sua namorada chegam a um motel e entram no quarto. Ele se levanta de sua cadeira de rodas e sobe as escadas sem muita dificuldade. Consegue ficar de pé e andar por alguns metros com a ajuda das próteses que usa nas pernas. Antônio, porém, é uma exceção.
A maioria das pessoas com deficiência precisa de um ambiente adaptado às suas condições, o que, nos moteis da Região Metropolitana do Recife (RMR), ainda é raro de se encontrar.
Uma reclamação sobre essa falta de estrutura chegou à página do Facebook do deputado estadual Augusto César (PTB). Um cadeirante, indignado, relatou a falta de quartos adaptados em hoteis e como poucos ambientes eram planejados para pessoas como ele. A queixa foi ouvida e o debate, levado à Assembleia Legislativa de Pernambuco, resultou na Lei 15.553/2015.
Em vigor desde junho de 2015, ela exige que hoteis, pousadas, albergues e moteis disponham de 2% (há discussões sobre esse número ser aumentado para 5%) de suas dependências acessíveis a pessoas com deficiência.
A ABNT detalha as medidas que o quarto adaptado padrão deve ter. As exigências incluem, por exemplo: rampas, piso regular e antiderrapante, portas mais largas, camas mais baixas e banheiros adaptados com espaço para a cadeira de rodas e barras de apoio.
Estabelecimentos que tenham 20 quartos ou menos deverão possuir ao menos um que seja adaptado de acordo com os parâmetros ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). O prazo para se adequar à nova regra encerrou em 15 de janeiro de 2016 e o descumprimento da lei pode gerar multas de cinco a 50 mil reais.
Se a existência da lei é um ponto positivo, a fiscalização é um passo decisivo – e ainda não assegurado. Sidney Araújo, assessor do deputado Augusto César, explicou que essa função é do Ministério Público junto com a sociedade civil: “Eles [as pessoas com deficiência] são cidadãos iguais a nós, pagam impostos como nós e não devem ser tratados diferentemente nesse aspecto. É uma pena que precisemos criar leis quando bastava as pessoas usarem o bom senso”, avalia Sidney.
Antônio Zarzar, servidor público de 28 anos, ficou contente ao saber da lei: “Ótimo! Ela não se aplica tanto a mim, porque eu tive que me adaptar às coisas e acabei me acostumando [com moteis e quartos sem acessibilidade]. A pessoa com deficiência tem direito a fazer tudo o que qualquer pessoa faz, inclusive se hospedar em um motel, hotel ou pousada”, pontua. Mas ele se preocupa com a eficácia da nova regra: “Infelizmente, no país onde vivemos, às vezes tem um monte de lei, mas não tem quem fiscalize para fazer as pessoas cumprirem”.
Nicole Aguiar, estudante de Direito de 19 anos, que tem hidrocefalia (água no cérebro) e mielomeningocele (uma malformação na coluna vertebral) também já enfrentou dificuldades em bares, restaurantes e mesmo clínicas: “Acho que essa lei vai melhorar muito. Mas vai depender de denúncias, porque a fiscalização não acontece como deveria”.
Apesar de ter certa autonomia de mobilidade (ela consegue caminhar pequenas distâncias), Nicole lembra que quando foi a um hotel sem nenhum tipo de adaptação não pôde se servir no buffet do restaurante, pois mesmo sendo capaz de descer a pequena escada, não havia espaço nem altura suficientes para que ela alcançasse a mesa onde os pratos eram oferecidos. “Não denunciei na época, por conta do cansaço que é enfrentar o processo, mas, se isso acontecesse de novo, eu faria”.
Um levantamento feito pela nossa reportagem nos 15 principais moteis da RMR identificou que apenas quatro apresentam suítes com adequações e acessibilidade para esse público. São eles:
- o Turquesa Motel (no bairro da Caxangá)
- o Eros Hotel (em Afogados)
- o Motel Senzala (em Apipucos)
- e o Fidji Motel (em Olinda).
Cada um deles apresenta um dos quartos adaptado. Porém, somente o Fidji atinge a meta de 2% exigida pela lei e nenhum deles segue as normas sugeridas pela ABNT.
Os responsáveis pelos estabelecimentos alegam que as reformas são feitas baseadas no que os clientes pedem. O proprietário do Senzala, Aécio Araújo, avalia o padrão do seu motel como superior ao da ABNT, mas demonstrou interesse em fazer os devidos ajustes no futuro.
Quando perguntado se a suíte adaptada é requisitada pelo público, ele respondeu que “não é porque é lucrativo, mas é porque todo mundo tem o direito de usar o motel. É um prazer tê-la [a suíte].” Segundo Aécio, no momento, o Senzala só tem um cliente cadeirante, que frequenta o local há cerca de sete anos.
Já o gerente do Fidji, Michel Mirke, conta que o quarto adaptado existe desde a inauguração do motel, há 12 anos, e que há clientes muito fieis. “Há um rapaz de João Pessoa que liga para saber se o quarto está disponível, e a gente reserva, porque sabe que ele vem”. Mesmo assim, Mirke comenta que a quantidade de clientes cadeirantes é muito pequena.
O proprietário do Fidji, Marcos Queiroz, possui outros 11 moteis em Pernambuco, mas esse é o único que já segue a nova lei. Segundo ele, esses outros motéis possuem quartos mais simples, a maioria no térreo e sem banheira, “o que tem banheira, a gente já fez a adaptação”, garante.
Não conseguimos contato com a gerência do motel Turquesa e o gerente do motel Eros, do bairro de Afogados, não quis conceder entrevista.
Pouco se discute a respeito do assunto, mas pessoas com deficiência não perdem sua sexualidade, e podem possuir, como qualquer outra pessoa, uma vida sexual ativa e prazerosa.
A depender do tipo de lesão, a sensibilidade da região pode, sim, ser comprometida, parcial ou totalmente. Mas existem outros meios de obtenção de prazer além do estímulo direto dos órgãos genitais, como carinhos em áreas erógenas do corpo (orelhas, pescoço, boca, etc). Também é possível explorar os outros sentidos do corpo humano além do tato, como a visão e a audição.
Antônio Zarzar, que citamos no início da reportagem, nasceu com mielomeningocele e hidrocefalia. Apesar de ser dependente de uma cadeira de rodas para se locomover, ele tem uma vida sexual normal, já teve algumas namoradas e garante que nunca teve problemas com elas com relação a isso. Suas únicas queixas são quanto a uma suspeita de ejaculação precoce e à dificuldade de manter o equilíbrio nas posições em que ele fica de pé. “É diferente, tudo o que eu faço é diferente. Mas não quer dizer que eu não consiga fazer”.
O jovem recifense, que já foi vice-campeão brasileiro de natação paralímpica, é capaz de ficar em pé e caminhar por curtas distâncias com o auxílio de próteses nas pernas: “Eu uso a cadeira como se fosse uma bicicleta, como um meio de transporte. Tanto pela agilidade, quanto pela independência”, conta.
Formado em Administração, Antônio vai dirigindo para o trabalho (num carro adaptado) e, nas horas vagas, gosta de tocar contrabaixo. Ele tem uma tatuagem no braço direito com o desenho de uma águia e um pergaminho que diz: “a maior deficiência é o preconceito”. “A águia quer dizer liberdade. Eu tenho liberdade com a minha deficiência, não deixo de fazer nada por conta dela. Eu saio, tiro onda, trabalho, dirijo, namoro, faço tudo o que eu quero. Eu procuro não ver limitação, mas me adaptar. Procuro não olhar o lado da dificuldade, mas ver a solução”, finaliza.
Conteúdo produzido por estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) sob a orientação da profª Paula Reis.
Fonte: http://erosdita.ne10.uol.com.br/