Mães e filhos especiais: reações, sentimentos e explicações à deficiência da criança
Caro leitor,
Durante as próximas semanas acompanhe o artigo “Mães e filhos especiais: reações, sentimentos e explicações à deficiência da criança” das pesquisadoras Fabíola Brunhara e Eucia Beatriz Lopes Petean. Segue abaixo o resumo do artigo.
Resumo
O nascimento de uma criança deficiente traz nova realidade à família. O objetivo foi apreender quais reações, explicações, sentimentos e expectativas as mães exprimiam frente à notícia da deficiência do filho. A amostra caracterizou-se por 25 mães encaminhadas ao Aconselhamento Genético da FMRP- USP, entrevistadas individualmente sobre um roteiro semi-estruturado. Delas, 38% estavam entre 20/25 anos e 1º grau incompleto (71 %). As crianças 52% com até 1 ano. Os diagnósticos: 24% Síndrome de Down e 20% sem diagnóstico. Os dados – Análise de Conteúdo Temática – demonstraram que ao receberem a notícia as mães ficaram chocadas. Manifestaram sentimentos de negação, tristeza, resignação, revolta. Explicaram a problemática cientificamente e por crendices populares. Negaram a deficiência. Apresentaram expectativas à cura.Independente da problemática, a notícia choca. Há dificuldade em aceitar o diagnóstico e constante busca de cura. Os profissionais devem conhecer as condições emocionais lidando, assim, efetivamente com a realidadede cada família.
O nascimento de uma criança com deficiência traz um nova realidade para a família. De acordo com MacCollum (1984) os pais experimentam a perda das expectativas e dos sonhos que haviam construído em relação ao futuro descendente.
A extensão e a profundidade do impacto deste nascimento são indeterminadas, depende da dinâmica interna de cada família e do significado que este evento terá para cada um (Faber, 1972).
No entanto, a família acaba procurando meios de se adequar à nova realidade. Desenvolvem duas maneiras de lidar com a informação: enfrentando e reagindo (Miller, 1995). Enfrentar significa fazer aquilo que é preciso, lidar com problemas e avançar. Reagir significa lidar com emoções que incluem desde confusão até o medo da incompetência.
Todos vivenciam o choque e o medo com relação ao evento ou ao reconhecimento da deficiência, bem como a dor e a ansiedade de se imaginar quais serão as implicações futuras. Todos experienciam a perda que gera desapontamento,frustração, raiva, à medida que desaparecem a liberdade e o tempo para o lazer (Vash, 1988).
Enfim, sentir-se responsável pelo problema do filho, conformado ou revoltado é uma forma detentar elaborar o que deu errado. Assume-se a culpa,o conformismo e a raiva porque quando existe um culpado, ao menos existe uma explicação.
Ao contrário, os pais podem se defender simplesmente negando. A negação é um mecanismo de proteção amplamente discutida na literatura(Buscaglia, 1993; Petean, 1995; Petean &Pina-Neto,1998) Apresentando-se quase sempre de duas formas. A negação escolhida, caracterizada por um pensamento do tipo “se eu ignorá-la, talvez vá embora”. A negação inconsciente quando realmente se olha para os fatos e não consegue percebê-los como verdadeiros (Miller, 1995).
Esses sentimentos e processos pelos quais passam os pais vão interferir diretamente na aceitação da criança. Os pais ao perderem o filho desejado podem, imersos em seu sofrimento e não elaborando o luto, estarem impedidos de estabelecer um vínculo com o bebê real. Podem fazê-lo, por exemplo, com o bebê desejado e perdido, ficando, assim, prisioneiros da melancolia. Ou podem, paradoxalmente, estabelecer o vínculo com a deficiência e não com o filho deficiente, ou seja, suas relações estarão baseadas no fenômeno e não na criança, nas práticas terapêuticas e não nas necessidades humanas(Amaral, 1995).
Torna-se, assim, de suma importância, a maneira pela qual os pais vão explicar a causa da deficiência de seus filhos – a compreensão do significado do problema.
Conforme vão superando e sobrevivendo à deficiência, começam a criar expectativas que vão de positivas à negativas. Esperam desde o desenvolvimento da criança até a completa incredibilidade em relação a situação do filho (Omote,1980). É interessante notar que essas expectativas também podem ser influenciadas pelas explicações que constróem como causa da deficiência (Brunhara& Petean, 1998). Independente da explicação que possuem, as mães esperam que o desenvolvimento do filho melhore ou seja normal. O desejo de cura é uma constante (Petean, 1995).
Para os profissionais envolvidos com as famílias de pessoas portadoras de deficiência, é de suma importância que tenham o maior conhecimento possível das dinâmicas pelas quais passam estas famílias para se instrumentalizarem emocional e racionalmente, uma vez que a literatura (Regen ecols., 1993; Omote, 1980; Petean, 1995; Petean &Pina-Neto, 1998) tem enfatizado a necessidade de que esses pais recebam o maior número possível de informações, que tenham suas dúvidas esclarecidaspara que possam decidir com maior segurança os recursos e condutas primordiais para o bom desenvolvimento de seu filho.
Objetivo
O objetivo desse trabalho foi o de apreender as reações, explicações, sentimentos e expectativas que os pais de crianças portadoras de deficiência exprimiam frente à notícia da possível deficiência e/ou anomalia genética de seus filhos.
Método
Sujeitos
Foram entrevistadas vinte e cinco mães encaminhadas ao Serviço de Genética Médica daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para Aconselhamento Genético constando de diagnóstico, prognóstico e orientação. Destas mães, vinte e uma tinham filhos com suspeita de serem portadores de deficiência e/ou anomalia genética. As outras quatro mães estavam sendo encaminhadas para diagnóstico de Futura Descendência, ou seja, situações em que o casal vem para Aconselhamento Genético, o filho afetado já faleceu e, portanto, o objetivo do estudo é especificamente determinar os riscos para futura descendência do casal (Pina-Neto, 1983).
Coleta de dados
Tendo em vista os objetivos da pesquisa, de apreender dados relativos à sentimentos, percepções de experiências passadas dos sujeitos, dados que estão”dentro” dele e que de acordo com Cannell & Kahn(1974) só ele é capaz de informar, optou-se por realizar entrevistas semi-estruturadas utilizando um roteiro com tópicos (temas ou núcleos) relacionados e direcionados para tais objetivos. O roteiro configurou-se por seis temas: dados pessoais; sobre o nascimento; informações sobre o serviço; conhecimento do problema; aspectos emocionais; e informações gerais sobre o casal.
As entrevistas foram realizadas por um profissional/psicólogo antes da primeira consulta médica no serviço.
Análise dos dados
Optou-se pela análise qualitativa uma vez que segundo Biasoli-Alves & Dias ( 1992), “apesar de não desenvolver quantificação dos dados não perde com isso o rigor científico”.
Para iniciar a análise – Análise Temática de Conteúdo – retoma-se os objetivos, realiza-se uma leitura exaustiva das entrevistas com o intuito de deixar-se impregnar pelo seu conteúdo. Nessa fase determinam-se os recortes, a forma de categorização, e os conceitos teóricos mais gerais para orientação da análise (Minayo, 1993).
Assim ficaram estabelecidos os seguintes recortes: reações das mães quando receberam a notícia da possível deficiência do filho; as explicações para o problema; os sentimentos vivenciados; e as expectativas quanto ao futuro. A seguir foram construídas as categorias e as mesmas foram então definidas.
De acordo com a forma de análise proposta, não houve a preocupação de quantificação dos dados em termos de freqüência. Assim, todas as categorias referentes aos temas serão apresentadas.
A identificação das famílias foi realizada atribuindo-se números às mesmas, aleatoriamente, de um a vinte e cinco, e posterior diagnóstico da criança. Por exemplo: Fl – Síndrome de Beckwith-Wiedeman.
Caracterização da Amostra
A amostra caracterizou-se por vinte e cinco mães que foram encaminhadas ao Ambulatório de Genética Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Destas mães, quatro não possuíam filhos pois vieram ao serviço para diagnóstico de Futura Descendência com histórico de abortos de recorrência. Da amostra total, 40% das mães tinham idade de 20 a 25 anos ao nascimento do filho afetado ou dos abortos; e 24% tinham idade de 25 à 30 anos. A maior parte, 72%, apresentou nível de escolaridade de 1º grau incompleto, seguido de 2° grau incompleto, que teve uma porcentagem de 12%.
Em relação às vinte e uma crianças, onze ou 52,38% da amostra chegaram ao Ambulatório com até um ano de idade, seguido de cinco crianças (23,80%) com idade entre dois e três anos. Onze crianças são do sexo masculino (52,38%) e dez (47,62%) do sexo feminino. A ordem dos nascimentos demonstra que 32% delas são primogênitos, 28% segundos filhos, sendo que 16% das crianças quarto filho ou mais. Quanto ao planejamento da gravidez, da amostra, 60% das mães não planejaram engravidar do filho afetado.
Os diagnósticos definidos durante o Aconselhamento resultaram em cinco crianças (23,80%) com Síndrome de Down, duas com Síndrome de Silver-Russel (9,52%), duas (9,52%) com hidrocefalia e também duas (9,52%) crianças com Retardo do Desenvolvimento Neuro-Psico-Motor (RDNPM). Do total das crianças, quatro(19,04%) permaneceram sem diagnóstico definido após um ano e meio de atendimento na genética.
Resultados e Discussão
A análise das entrevistas demonstrou que as mães reagiram a notícia da possível deficiência do filho intensamente. As reações eram concomitantes à notícia mas não seguiram uma ordem pré-estipulada, sendo que uma não excluía necessariamente a outra. As mães passaram por:
Choque: “Quando a médica falou fiquei chocada. Fui ao telefone e liguei para ele (marido).Pedi para ele vir para o hospital. ” (F4 – Síndrome de Down)
O choque pode ser definido como um abalo emocional (Ferreira, 1988). Para Drotar (1975) é uma interrupção abrupta dos estados emocionais usuais, que rompe com o equilíbrio de cada um. É descrito como uma situação de torpor, uma sensação de impotência e sentimento de desamparo.
A análise dos dados das entrevistas demonstrou que qualquer dúvida levantada em relação às condições de saúde física e/ou mental da criança deixou as mães chocadas. Elas relataram esta reação aliando-a a sentimentos de perda e de pesar. Perda do filho sonhado e pesar pelo próprio desapontamento, pois se sentiam logradas ao direito do filho perfeito, ficando sem saber como proceder no momento da notícia.
Tristeza: “Fiquei triste, a gente estava preparado para uma coisa aconteceu outra… a gente esperava um filho perfeito, faz lembrancinhas, as pessoas vão visitar e ela (criança) não estava em casa. ” (F25 – Hidrocefalia)
A tristeza é um aspecto revelador de mágoa ou aflição (Ferreira, 1988). No momento da notícia, as mães disseram-se tristes, decepcionadas e frustradas frente à ausência da satisfação do desejo do filho idealizado. Como na amostra de Miller (1995) as mães lastimaram as mudanças concretas que estavam precisando fazer na sua vida. Outro aspecto importante é a “tristeza crônica”, um sentimento que nunca é superado e freqüentemente revivido: aniversários, idade de entrada na escola, etc, trazem à tona o que poderia ser e não é.
Resignação: “Deus quis assim a gente tem que se conformar… Se Deus quiser liberta ele” (F6- Distrofia Muscular Progressiva Tipo Duschenne)
A resignação é encontrada como a renúncia espontânea de uma graça; a submissão paciente aos sofrimentos da vida (Ferreira, 1988). Apareceu acompanhada por sentimentos de passividade, de conformismo, de valores religiosos e misticismos. Pode estar influenciando na aceitação da criança e na visão que a mãe construirá da deficiência do filho. O risco se faz presente a partir da crença de que não há mais nada a se fazer pela criança omitindo-se, minimamente, aos tratamentos necessários.
Revolta: “a égua (médica) falou que ele (criança) tinha Down, que não ia andar, não ia falar. Quase bati nela, joguei pela janela…” (F4 -Síndrome de Down)
A revolta, grande perturbação moral causada por indignação, aversão e repulsa (Ferreira, 1988) é uma reação manifestada frente a uma situação não esperada sobre a qual não se tem controle. Esta revolta foi expressa pela aversão à criança, ao cônjuge, à Deus, aos profissionais que estavam envolvidos com a família, enfim, à terceiros. Funciona como uma válvula de escape para a cólera que sentiram pela injustiça do problema de seus filhos.
Busca: “Quando fiquei sabendo, queria saber de tudo: risco de vida da criança, conseqüências, como a criança seria, quis conhecer a APAE… “(F19 – Hidrocefalia).
A busca resulta na necessidade de procurar respostas e formas de auxiliar frente à algo que inc-moda ou requer cuidados. Boyd (1950), pai de uma moça excepcional, coloca a busca como uma etapa em que parou de pensar menos em si próprio, para passar a pensar em sua filha. Como as mães entrevistadas, começaram a apresentar necessidade de enfrentar a anomalia da criança, fazendo com que procurassem especialistas e instituições, ou seja, respostas aos seus mais variados questionamentos, crendo, assim, na volta de um certo controle para suas vidas.
Em relação à causa da deficiência, as mães buscam fundamentos científicos, religiosos e populares para explicá-la:
Científicas corretas: “os médicos falaram: um problema na hora que o espermatozóide encontra o óvulo. Aconteceu algo, deu um acidente” (F4 -Síndrome de Down)
São respostas que se fundamentam nas Leis e Princípios aceitos na Biologia Humana e na Medicina (Pina-Neto, 1983). Foram as explicações que as mães ofereceram corretamente tais quais as explanações dos profissionais que lidam com a criança.
No entanto, observou-se que apesar das mães relatarem tais explicações, não deixaram de acreditar em seus próprios argumentos. Um dado que fala por si só é o da F9 (RDNPM): a mãe explicou a problemática da criança em termos científicos – “porque ele é prematuro, nasceu de 6 meses ” — mas não deixou de colocar também como causa “porque quando estava com 4 meses caiu na creche e isso causou o problema ” – resposta categorizada como Crendice Popular – demonstrando, assim, a força das crenças pessoais de cada um.
Fonte: Revista Paidéia, FFCLRP – USP, Ribeirão Preto, 1999.
Veja:
Olá Vera, esses textos tem sido de grande ajuda para mim, como sabe tenho uma filha (DI) e tenho passado por várias dificuldades com ela, na escola, com amigos, com relação a namoro, mas temos conseguido superar com ajuda dos terapeutas e blogs, que tem me esclarecidos algumas dúvidas, obrigado, Thais.
Olá Thais!
Fico feliz em saber que alguns artigos do blog tem ajudado você.
Abraços!
Nossa sociedade precisar ter maior respeito com nossos deficientes, para aprender a ter respeito com si próprio.