Menos de 1% das calçadas de Curitiba seguem regras de acessibilidade
CIDADE MODELO É INACESSÍVEL!
No Centro da cidade, o petit-pavê é o vilão, segundo os especialistas. Nos bairros, há lugares intransitáveis
Caos. Essa é a definição dada pelo arquiteto e urbanista Ricardo Mesquita quando questionado sobre a condição das calçadas de Curitiba com relação à acessibilidade. Segundo o especialista, 1% da capital tem guias rebaixadas, rampas, pisos táteis, semáforos com sinalização sonora ou qualquer outra coisa que auxilie na inclusão das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. E ter os aparelhos ainda não significa que eles estejam adequados para uso. Já o número de pessoas com deficiência que precisam de acessibilidade em Curitiba é de 250 mil, segundo o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mesquita iniciou sua luta em favor da acessibilidade quando seu filho, na época com nove anos, teve uma infecção e precisava do auxílio de uma cadeira de rodas para se locomover. De acordo com o arquiteto, o menino tinha que ser carregado sempre no colo, pois quase nenhum estabelecimento tinha rampas para cadeirantes. Desde então, há mais de 20 anos, Ricardo Mesquita se envolveu nessa luta que chama de “global”.
“Não estamos trabalhando apenas pelo próximo, que hoje necessita dessas adaptações. Todos nós que tenhamos a sorte de ficar idosos também podemos precisar de calçadas melhores, rampas e até pisos táteis, para o caso de perda de parte da visão. É uma luta que parte da conscientização e sensibilidade das pessoas”, diz.
(Veja: Por uma cidade mais acessível)
Segundo o arquiteto, um dos maiores problemas de Curitiba é o piso petit-pavê, visível na rua XV, por exemplo, um dos cartões postais da cidade. Mesquita afirma que esse tipo de revestimento é prejudicial e não cumpre a NBR 9050, que regulamenta a padronização das calçadas. “Todas as calçadas deveriam ser feitas de material antiderrapante e que evite trepidação. O petit-pavê não obedece a nenhuma dessas exigências”, explica.
Associado a isso ainda existe a questão da praticidade. Caso seja necessário fazer qualquer tipo de reforma o petit-pavê não é nada prático, ao contrário dos pavers (blocos de concreto), que são os pisos recomendados para as calçadas. “Basta retirar os blocos e recolocá-los”, explica.
Devido a isso, o arquiteto afirma que há anos vem pleiteando que a Rua XV tenha, pelo menos, junto dos alinhamentos prediais, faixas de no mínimo 1,50 metros (o espaço para duas cadeiras de rodas passarem) de paver. “Sabemos que é impossível fazer com que seja retirada toda a cobertura de petit-pavê do local, mas no mínimo precisamos de uma faixa de concreto para orientar as pessoas com deficiência”, alega.
A assessoria de imprensa da Prefeitura de Curitiba alega que o petit-pavê de todo o centro histórico de Curitiba foi tombado como patrimônio histórico e que não pode ser retirado. Mesquita na concorda com a alegação. Segundo ele, o piso atual é da década de 1970, já o anterior a esse, de ladrilho hidráulico, do século XVIII. “Isso sim é um piso histórico”, argumenta.
Deficientes visuais – Uma parcela da população que tem sofrido bastante com o descaso são os deficientes visuais. Lilian Merege Biglia trabalha há vinte anos com os deficientes dando aulas de técnicas de mobilidade no Instituto Paranaense dos Cegos. Segundo ela, como profissional, ela não recomenda que os alunos aprendam a se guiar pelo piso tátil. “É algo irreal, que só existe no centro da cidade. Isso quando ele não é colocado em local errado ou com obstáculos”, afirma.
Segundo Lilian, um piso tátil só é útil para o deficiente visual quando ele é colocado em uma calçada não rugosa, bem diferente dos pisos de petit-pavê, por exemplo. “Com pisos rugosos não é possível diferenciar onde está o piso tátil”, explica.
Como a maioria das ruas de Curitiba e, especialmente, os bairros não têm o piso tátil, Lilian ensina seus alunos a se guiarem pelo alinhamento das construções com a bengala. Mesmo assim, ela encontra dificuldades. “As calçadas não são feitas para pedestres. A grande maioria é cheia de buracos, caixas de correio, floreiras, lixeiras. As pessoas têm que entender que o que é bom para o deficiente visual também é bom para qualquer pessoa”, destaca.
Mesquita concorda com o princípio da professora. Segundo ele, o piso tátil é algo útil para toda a sociedade já que pode orientar também idosos e pessoas com visão subnormal.
Avanços e desafios – O ouvidor do CREA-PR (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná), Antonio Borges dos Reis, acredita que houve algum avanço nos últimos anos, mas que ainda há muito trabalho pela frente. Segundo ele, falta fiscalização. “Temos muita coisa a ser feita ainda e muita a ser refeita. Pois muitas novas obras da Prefeitura estão deixando a desejar”, afirma. O engenheiro se refere fatos como o que aconteceu na Avenida Toaldo Túlio, no bairro Santa Felicidade. De acordo com ele, foi feita uma nova calçada com blocos de concreto, porém, depois de pronta, a calçada foi equipada com postes de luz e pontos de ônibus, o que não deixou espaço para cadeirantes se locomoverem.
“Foi um trabalho em vão. A acessibilidade tem que ser uma busca contínua e uma prioridade de várias gestões”, opina.
Mesquita concorda com Borges dos Reis no quesito fiscalização. Para ele, o cumprimento das normas só será possível quando houver mais cobrança e penalização. A sugestão do arquiteto é que os estabelecimentos comerciais, por exemplo, tenham que se credenciar anualmente, e que esse credenciamento seja condicionado às condições de acessibilidade.
Curitiba já possui algo parecido. A Lei Municipal nº 6989, de 1987, condiciona em seu Art. 1º, parágrafo único, que não se concederá licença para a construção das edificações, quando não ficar assegurado o acesso dos deficientes físicos às dependências franqueadas ao público.
“A lei existe, mas somos muito pobres em fiscalização. Na prática, essa lei não funciona”, opina Ricardo Mesquita.
Em esfera nacional, o arquiteto ressalta o Estatuto da Pessoa com Deficiência, como algo que poderia mudar a realidade. Há mais de dez anos o projeto tramita no Congresso Nacional. Segundo o arquiteto, existem mais de 1.500 leis no País sobre acessibilidade e o estatuto representaria um documento único a que todos poderiam ter acesso facilmente.
A proposta do estatuto foi feita por Paulo Paim (PT-RS), ex-deputado e hoje senador, e tem causado polêmica devido a uma suposta falta de sintonia com o tratado internacional resultante da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, feita pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque, em 2006. Atualmente, o projeto encontra-se parado no Congresso, aguardando novas discussões para que entidades e parlamentares entrem em consenso sobre o conteúdo do Estatuto.
Fonte: Bem Paraná (26/06/11)
Veja:
Olá, conheci o blog hoje.. muito legal, parabéns pela iniciativa.
Concordo plenamente com o artigo. Moro e Curitiba, e vejo cadeirantes sem a mínima possibilidade de transitar pelas nossas calçadas. Nao sou cadeirante mas tenho mobilidade reduzida, e sempre tenho dificuldade de acesso em lugares públicos, nos ônibus. As pessoas aqui nao respeitam o deficiente, usam nossos lugares nos ônibus, fazem cara feia quando pedimos, nao respeitam as vagas de estacionamento. Mas isso nao é só para os deficientes, os idosos também passam por isso. Vejo essas coisas acontecerem todos os dias. Nao entendo até hoje porque chamam nossa Cidade de capital modelo… rss