Mitos e preconceitos em torno do aluno com deficiência na escola regular e na escola especial – Parte Final
Caro leitor, o artigo abaixo, foi escrito pelo Dr. Francisco J. Lima da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Centro de Estudos Inclusivos (CEI/UFPE). Veja a última parte desse texto reflexivo e conscientizador. Para que possa entender melhor, recomendo que leia a primeira parte desse artigo.
“Os mitos e preconceitos, que historicamente batem à nossa porta, encontram guarida nas casas dos que não têm bem fundados os pilares anteriormente mencionados; e como somos todos frutos dessa história, cabe a cada um de nós detectar onde estamos sendo promotores dessa sociedade segregacionista e excludente, para que possamos ser agentes operadores da transformação social, mesmo que para isso precisemos lutar contra nossos próprios “princípios” como lutaram aqueles que perceberam que era errado escravizar pessoas humanas, por conta de sua cor de pele”.
Na escola, esses preconceitos aparecem na fala de professores que alegam não poder ensinar alunos cegos porque não sabem o Braille, código de escrita em relevo que muitas pessoas cegas ou com muito baixa visão fazem uso. Sob o manto da dificuldade de saber um código, de um despreparo para a escrita e leitura nesse sistema de escrita, o professor desvela sua descrença de que um aluno cego possa aprender, tal como ele, professor que enxerga, que é “perfeito” etc. foi capaz de aprender. Revela, ainda, que teme o contato com esse aluno, talvez por um medo oculto de que venha “pegar” a deficiência ou de que os demais alunos seus precisarão “diminuir” o ritmo de aprendizagem para que o aluno com deficiência visual os acompanhe, sendo portanto, aqueles, prejudicados.
Outros professores, coordenadores de cursos etc., alegam não poderem ensinar um aluno surdo, pois não foram preparados para comunicar-se com esse aluno que, talvez, fale Libras e não português.
A desculpa da comunicação tem levado muita gente ao radicalismo de querer que filhos de pessoas surdas recebam tratamento genético para que nasçam igualmente surdos; que se construa cidades para surdos; que se construa universidades para surdos e, aqui, em nosso Brasil, carente que somos economicamente, se tem defendido a proliferação de escolas exclusivas para surdos.
Nunca, em parte alguma, se constituiu problema a coexistência do multilingüismo, a união de pessoas de origem lingüísticas diferentes, o ensino de estrangeiros de línguas diversas em uma só escola (como se vê com freqüência nas grandes universidades); entre outras manifestações sociais onde pessoas de origem lingüística diversas se unem e aprendem, em conjunto, objetos comuns do conhecimento.
No entanto, os apologistas do segregacionismo têm levado muitas pessoas com deficiência auditiva a pensarem que o respeito e a divulgação de sua língua deve caminhar pelo segregacionismo.
O equívoco, aí, resiste na promoção de um preconceito histórico em relação à pessoa surda, mormente relacionado a se pensar que a pessoa surda tem deficiências cognitivas; que não aprendem; que não são capazes de se desenvolver dentro da sociedade etc.
Por conta disso, ainda, crianças surdas são acusadas de agressivas e de que “são mesmo diferentes”, numa clara alusão aos indicativos de que as pessoas surdas teriam “desígnios” outros que o da pessoa “normal”.
Mas, se há resistência em ensinar os alunos deficientes auditivos sob a argumentação da dificuldade de comunicação oral; se há resistência em ensinar alunos com deficiência visual por conta de uma pseudo dificuldade de comunicação escrita, os alunos com deficiência intelectual ou síndromes sofrem ainda mais o preconceito e a resistência de professores que alegam temer pela integridade de seus alunos, e de sua própria, porque esses alunos seriam agressivos.
Fato que não tem base de comprovação, não mais que a possibilidade de que qualquer outro aluno agrida um seu colega, ou seu professor, como se vê com freqüência nos noticiários.
Ocorre que sob o manto da proteção do outro, esse professor desnuda toda sua capacidade de ser desumano, de jogar fora sua ética profissional, a qual deveria estar esteada no ensino e não na discriminação, enfim, revela a crueldade de tomar para si, o direito de decretar aos outros, em geral crianças indefesas, a morte social, o limbo cultural e mesmo, a própria morte física.
Obram aqueles professores, coordenadores, donos de escola etc. (que tiranicamente determinam ou tentam determinar quem vai aprender ou quem não vai) como déspotas, como carrascos de inocentes, quando deveriam ser os defensores de uma sociedade do conhecimento, onde o maior deles começasse pelo conhecimento do próprio homem quanto ser transformador do mundo para o bem da humanidade.
É essa transformação consciente que deve, portanto, pautar os educadores para que uma consciência inclusiva seja construída e a sociedade, hora excludente, passe a ser uma sociedade de cooperação, de respeito, de sabedoria.
Os mitos e preconceitos, que historicamente batem à nossa porta, encontram guarida nas casas dos que não têm bem fundados os pilares anteriormente mencionados; e como somos todos frutos dessa história, cabe a cada um de nós detectar onde estamos sendo promotores dessa sociedade segregacionista e excludente, para que possamos ser agentes operadores da transformação social, mesmo que para isso precisemos lutar contra nossos próprios “princípios” como lutaram aqueles que perceberam que era errado escravizar pessoas humanas, por conta de sua cor de pele.
Não há inclusão se não houver transformação e não há inclusão plena se a transformação não for contínua, consciente e concreta.
Agora, detenhamos-nos a examinar os 3 Cs da inclusão.
Tenho enfatizado aqui a idéia de que a sociedade como está, expulsa de seu meio muitos de seus membros, e a muitos mais nega a entrada. Tenho chamado sua atenção para a necessidade de transformação da sociedade atual, para uma sociedade de pessoas humanas e não de algumas pessoas tão somente.
Mudar, pois, é preciso e essa mudança tem de começar já. A hora é agora, o lugar é este e os agentes da mudança é cada um de vocês. Somos todos nós! Basta que sejamos corajosos para dizer em voz alta que esta sociedade, da qual fazemos parte, não nos serve mais; não responde à nossa compreensão de mundo, não contempla nosso entendimento de quem é pessoa humana entre nós, enfim, que esta sociedade está bichada e precisamos dedetizá-la.
Isso significa, portanto, que devamos aproveitar o que dela está bom e há muito de bom nela, mas que devemos igualmente reparar o que não presta e há muito que não presta nesta sociedade.
A transformação de que falo aqui é a própria transformação de nossos sentimentos, crenças e atitudes perante nossos pares, perante nós próprios, descobrindo, a cada momento, que somos capazes, pela descoberta de que o outro é capaz e descobrindo que temos um grande potencial, pela descoberta e reconhecimento do potencial do outro.
Trata-se, pois, de uma transformação contínua e consciente, e se trata também de uma transformação concreta, já que ela tem de refletir em nossas atitudes, em nossas ações, em nossas falas, e, acima de tudo, em nós mesmos.
A inclusão, portanto, não é algo de que se fala, mas algo que se vive, intensa e conscientemente, contínua e tenazmente, concreta e francamente. A Inclusão é a participação de todos pelo todo, com todos.
A inclusão não é uma mera teoria da moda, mas uma atitude de vida; uma expressão de sociedade e cidadania; uma compreensão de que todos os seres humanos são humanos sem distinção.
Caminhando para o fim de nossa fala, aprofundemos um pouco no que é isso que se tem chamado de Inclusão.
Já vimos que é um processo de transformação, já vimos que esse processo é contínuo, que deve ser consciente e que deve começar pela transformação em nós, para emanarmos para os outros, através de nossas ações concretas. Também, estabelecemos que a Inclusão pressupõe, na prática, reconhecer no outro, aluno ou não, o potencial para aprender e a capacidade de ser. Isso tudo significa quebrar tabus em relação à pessoa com deficiência, implica em pôr por terra barreiras atitudinais; pressupõe um novo modo de ser e viver. Viver na cooperação, na parceria, no respeito e, porque não, no amor.
Nesse momento, os que conseguiram chegar até aqui, devem estar pensando que a Inclusão pode ser fácil na fala, na teoria, mas que na realidade, ali na sala de aula, com aluno de verdade, isso é impossível.
Eu digo que na fala, na teoria é mais difícil que parece, e na realidade, tenho notícias para vocês, é possível sim. Exemplo disso é estarmos tratando desse assunto aqui e agora; é temos pessoas neste exato momento lutando a batalha da acessibilidade, do desenho universal, do respeito aos idosos, do acesso à educação com qualidade para todos, enfim, a batalha da sociedade de pessoas humanas contra a sociedade de alguns humanos, fortes sim, mas não invencíveis.
Cabe a vocês decidirem em que lado lutar, pois em um deles estarão, já que nesse embate, os “neutros” tomam o lado da sociedade excludente e segregadora, por omissão, conivência e cumplicidade, como vimos.
Na revolução do “todos somos diferentes” e não do “todos são iguais”, não se mata o “oponente”, ganha-se-lhe para nosso lado; não se tem o outro como “adversário”, mas como parceiro na solidificação de nossos princípios e ações, enfim, na revolução pela inclusão de todos no todo social vive-se a totalidade, não o totalitarismo; vive-se a participação de todos e não a de uma parte; vive-se e não apenas se aceita a sobrevivência.
Assim, sendo uma revolução que começou há muito tempo, mas que nos dias de hoje ganha cada vez mais força; sendo uma revolução do contínuo transformar-se; e sendo a revolução das pessoas humanas, o que hoje se chama de Inclusão, e que no futuro se poderá chamar de outra forma, não é uma moda, ou modismo, não é uma mera teoria, é o caminhar para o sempre, é o caminhar para a busca da felicidade de todos com todos e entre todos.
Considerações Finais
Intitulamos a presente fala como “Mitos e Pré-conceitos em Torno do Aluno com Deficiência na Escola Regular e na Escola Especial”, e, por esse momento, muitos devem estar se indagando se estão na palestra certa.
Aparentemente, se fez uma digressão do tema, no entanto, quero concluir, mostrando que o que apresentamos anteriormente relaciona-se direta e sintomaticamente na escola.
Frequentemente, deparamo-nos com situações onde alunos com deficiência são rejeitados por suas escolas, ou a elas são negados entrar, ainda hoje, educadores “acusam” pais de crianças com deficiência de não terem aceitado seus filhos, justificando por essa rejeição comportamentos, estereotipias etc. de alunos com deficiência.
Crianças autistas são recusadas nas escolas, ou dentro delas execradas, porque os “especialistas” que a acompanham ainda as vêem como seres agressivos, incomunicáveis, sem potencial ou incapazes de aprender.
Ainda hoje, nossa experiência tem mostrado, educadores fazendo análises “psicológicas” de deficiências mentais, síndromes e deficiências sensoriais. Querem esses especialistas expurgar/exorcizar a deficiência; pretendem eles encontrar uma causa, um diagnóstico, algo que lhes permita subsidiar/justificar suas ações excludentes.
Assim é que em abril de 2005, podemos afirmar que o preconceito é atual, visto que está ocorrendo agora, e é internacional, posto que não é “privilégio” do Brasil, ocorre aqui, nos países de primeiro mundo e nos de terceiro também.
Ainda hoje, educadores tratam as crianças com síndrome de Down ou com outras deficiências mentais, não como alunos em suas escolas, mas como “crianças que precisam socializar-se”, e que estão nessas escolas. Ainda promovem um “ensino paralelo” dessas crianças, ao invés de educá-las com os demais alunos. Com benevolência, esses educadores “recebem” aquelas crianças na escola, mas não as aceitam como pessoas humanas.
Em abril de 2005, educadores resistem a ensinar alunos com deficiência sensorial (cegos e surdos). Alegam estarem despreparados, afirmam não terem conhecimentos especializados nessas pessoas. Revelam, enfim, sua total descrença de que pessoas humanas são diferentes e podem apresentar deficiências, confirmando os preconceitos históricos que têm levado à exclusão as pessoas com deficiência, por conta do grande mito que é a crença de que a uma pessoa que falte um sentido, uma parte de seu corpo etc., falta-lhe a condição de pessoa humana.
Meus caros, acreditar na existência de uma escola especial separada, preparada para educar exclusivamente pessoas com deficiência, é acreditar numa sociedade de alguns; é negar a capacidade do Professor Humano em educar, ensinar, transmitir conhecimento, facilitar/mediar conhecimento etc. a todos e é acreditar que os alunos com deficiência não têm potencial para aprender, não são capazes, e não são Humanos, como conceituado anteriormente. é a essa sociedade que repudiamos, e é a essa sociedade que queremos pôr fim. Sejamos “Um Todo”, e estejamos com Todos, na educação, no trabalho, na saúde, no lazer, enfim na sociedade de Todos, na sociedade de Pessoas Humanas.
Fonte: Fonte: http://www.mp.pe.gov.br/
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