Músico que ficou tetraplégico agora faz música com a boca
“Fui para um centro de reabilitação, onde passei por vários médicos e fiz vários exames. Aí veio uma assistente social e me perguntou:
— ‘Já está sabendo das vantagens [em ser cadeirante]?’
— ‘Vantagens?’
— ‘Sim. Vantagens! Agora, na compra de um carro você tem 40% de desconto! Você pode viajar de graça de avião e o seu acompanhante só paga 20% da passagem!’
Caramba! Devia ter quebrado o pescoço antes, hein?”
É assim que Fabrício Loureiro, 31, o Brício Loureiro, de Araraquara (273 km de São Paulo) relembra no palco algumas das situações que vivencia desde 20 de novembro de 2010, data do acidente que o deixou tetraplégico.
Hoje, dois anos e quatro meses após quebrar a vértebra C5, lesionar a medula e perder todos os movimentos do pescoço para baixo em um acidente numa piscina, Loureiro se vê em uma situação que nunca imaginara viver: faz stand-up comedy (comédia feita por um humorista sozinho no palco).
Na época do acidente, Loureiro trabalhava como analista de marketing em São Paulo. Durante 90 dias, ele não conseguiu mexer nada do pescoço para baixo.
“Foram três meses de revolta. Eu tinha uma vida totalmente ativa e de repente vi aquilo tudo parar”, lembra.
Pouco tempo após sofrer a lesão, Loureiro passou pelo centro de reabilitação Lucy Montoro, em São Paulo.
Impossibilitado de trabalhar, mudou-se para a casa da mãe em Araraquara, onde vive atualmente.
APRENDENDO A VIVER
Depois, fez tratamento psicológico e foi “evoluindo”. “Para mim, a vida de cadeirante vai ser horrível para sempre. Mas é uma vida possível. Basta se adaptar à condição imposta.”
Com apoio de enfermeiros em casa e fisioterapia, já recuperou o movimento dos braços. Em vez de se “vitimizar”, como ele diz, resolveu buscar atividades que o ajudassem a se sentir útil.
“Comecei a procurar a internet. O que eu tinha no meu quarto? Um notebook e a possibilidade de ficar sentado.”
Loureiro resolveu criar um blog, além de canais de vídeo temáticos no YouTube. O blog “NãoConcreto” (www.naoconcreto.com.br) faz humor e tem de 30 mil a 40 mil visitas diárias.
CHEGADA AO STAND-UP
De olho no humor, Loureiro inscreveu-se em um concurso de comédia stand-up que garantiria um open mic (apresentação curta para iniciantes) no Comedians, em São Paulo, bar gerenciado por Rafinha Bastos e Danilo Gentili –humoristas que se tornaram sucesso no “CQC” e hoje têm programas próprios nas TVs Fox e Bandeirantes, respectivamente.
Mas ele não conseguiu. “Fui desclassificado porque citei o nome de uma empresa e isso não era permitido.”
A decepção não fez Loureiro parar. Por meio de um convite do blogueiro Rodrigo Fernandes, do blog Jacaré Banguela (um dos mais visitados do país), foi a uma gravação no Comedians com o humorista Marcos Castro.
“Era uma edição do quadro ‘Jacaré Banguela Fora do Ar’. Lá, eu e mais algumas pessoas que trabalham com humor para a internet sentamos juntos”, diz. Foi naquela noite que Loureiro começou a “trocar ideias” com Rafinha Bastos.
“Aí o Jacaré propôs: ‘Vamos fazer uma foto do Rafinha ajudando o Brício a atravessar a rua na cadeira de rodas, porque uma boa ação dessas do Rafinha ninguém divulga’.”
E assim foi. A foto “bombou” nas redes sociais. Loureiro começou a falar com Rafinha sobre o stand-up.
“Falei da vontade que eu tinha de contar piadas também”, conta. “Ele me incentivou. Como eu já fazia humor com o blog, decidi arriscar.”
A Folha tentou, mas não conseguiu falar com Rafinha.
A ENTRADA NO STAND-UP
O primeiro show foi no final do ano passado, num bar em Araraquara. “Fazia tempo que queríamos trazer uma atração de São Paulo para fazer um stand-up.”
Depois da ida à capital e dos incentivos recebidos, pôs a cara para bater. Na contramão de quem começa no stand-up, com textos de cinco a dez minutos, Loureiro montou um de uma hora.
“Minha primeira apresentação tinha umas 350 pessoas na plateia. Consegui fazer o povo rir do começo ao fim.”
A fisioterapeuta Lívia Cardillo, 30, assistiu a esse primeiro show. “Gostei muito. O Fabrício usa bastante o acidente dele e sua nova condição de uma forma que não é agressiva.”
A DEFICIÊNCIA NO SHOW
Nos shows, o humorista faz piadas sobre o cotidiano, com assuntos que estão na mídia, temas sociais e, claro, também sua condição de cadeirante.
“Levo ao palco experiências engraçadas que eu já vivi”, diz. “Muitas piadas são inventadas também.”
E como lidar de forma bem humorada com a reviravolta que a vida deu?
“A verdade mesmo é que todo palhaço é triste. Cada um sabe onde o calo aperta. O meu é a deficiência”, afirma. “Mas não me escondo atrás disso.”
Apesar dos elogios pelo bom humor, Loureiro também já travou embates pela internet. Um caso recente foi com o deputado Jean Wyllys (PSOL). Ambos trocaram farpas pela rede social Twitter após Loureiro discordar de um dos textos do parlamentar.
Wyllys rebateu e disse que “um ser unicelular deveria ser mais esperto” do que o humorista de Araraquara.
Loureiro dá risadas e quer rir mais. Continua apostando no blog, faz apresentações de stand-up pela região e ainda quer uma vaga no Risadaria, maior campeonato dessa categoria de comédia do Brasil.
“Também vou ser ‘residente’ no Almanaque, o primeiro bar em que me apresentei”, conta.
Os planos são ao menos uma apresentação por mês. A próxima será no dia 30.
O ator e comediante paulistano John Leitão, 34 (conhecido na web pelos vídeos de pegadinhas nas ruas de São Paulo), conhece Loureiro há poucos meses, mas já tem uma opinião sobre o talento dele.
“Ele tem futuro. Sabe lidar com a condição de cadeirante com humor.”
E Loureiro tem vontade de ir para o palco em pé? “Andando ou não, eu quero viver. Quando se tem uma lesão desse tipo, você perde sua intimidade, sua privacidade e sua liberdade.”
Ele diz que a lesão lhe tirou muitas coisas. “Menos a minha essência. Isso não vou perder nunca.”
Fonte: Folha de S. Paulo
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Somos de carne e temos que viver como se fôssemos de aço. Fiquem com Jah.