Namoro

Namoro e deficiência: ‘Por que acham que sou cuidadora do meu namorado?’

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Conheça, abaixo, algumas histórias reais sobre namoro e deficiência.

Depois que Hannah e Shane Burcaw se casaram em uma cerimônia íntima em casa, eles compartilharam uma foto do evento nas redes sociais.

“Somos marido e mulher!!!!”, escreveu Hannah.

“Tenho muita sorte de agora estar casada com o melhor cara que conheço.”

Mas eles receberam de volta mensagens como estas:

“Falando sério agora… ela também tem outro parceiro para fazer sexo?”

“Ele é rico ou algo assim?”

“Meu Deus… isso deve ser photoshopado.”

namoro e deficiência

O motivo, acreditam os YouTubers Shane e Hannah, é porque ele tem deficiência, e ela não. Shane tem atrofia muscular espinhal e usa cadeira de rodas desde os dois anos.

O casal, que mora em Minneapolis, no estado americano de Minnesota, afirmou à BBC Three que esse tipo de reação reflete o quão mal informadas muitas pessoas ainda estão em relação à deficiência e o namoro.

“Nossa sociedade nos diz que pessoas com deficiência não são parceiros dignos”, diz ela.

“Quase não há representação positiva da deficiência ou de relacionamentos de pessoas com deficiência na mídia, então muita gente pensa que pessoas com deficiência não podem ter um relacionamento saudável e maravilhoso.”

“Isso significa que quando veem Shane e eu, inventam teorias conspiratórias para tentar compatibilizar nosso relacionamento com o que aprenderam.”

A mídia torna a deficiência indesejável’

Uma pesquisa, de 2014, sugere que 44% dos britânicos incluídos na amostra não considerariam fazer sexo com alguém que tivesse uma deficiência física, enquanto 50% não descartariam a possibilidade.

Shane, que tem 28 anos, diz que a falta de representação positiva muitas vezes o fez sentir que “nunca encontraria uma parceira”.

“As coisas que vi na mídia tornam a deficiência extremamente indesejável”, afirma.

“Isso me levou a acreditar que a maioria das pessoas não gostaria de namorar alguém com deficiência.”

namoro e deficiência
BBC / DAVID WELLER

Hannah, que está com 24 anos, afirma que embora a deficiência de Shane nunca a tenha incomodado (eles começaram a conversar depois que ela viu um de seus vlogs online), ela igualmente “nunca conheceu ninguém que usasse cadeira de rodas ou tivesse uma deficiência física”.

Também há um debate sobre como os casais com e sem deficiência se descrevem.

Nos Estados Unidos, alguns casais, inclusive na comunidade de vlogs para pessoas com deficiência, começaram a usar o termo interabled.

Mas não é amplamente aceito. Alguns acham que é um reforço nada útil do pensamento limitado e voltado para condição clínica.

“É impreciso e foca nas diferenças físicas ou mentais entre as duas pessoas (ou mais) em um relacionamento”, diz o radialista Mik Scarlet, militante da causa da deficiência.

“As pessoas com deficiência passam muito tempo tentando fazer com que a sociedade em geral entenda o ‘modelo social da deficiência’, que sugere que não somos deficientes por causa dos nossos corpos, mas sim pela maneira como a sociedade nos trata, então quando um conceito como ‘interabled’ ganha força, destrói grande parte desse trabalho. ”

A BBC Three conversou com outros jovens casais sobre suas experiências…

‘As pessoas supõem que somos irmãos’

Charlie e Gina

namoro e deficiência

Charlie diz …

Tenho paralisia cerebral devido à falta de oxigênio no cérebro com 10 semanas de vida. Eu basicamente uso uma cadeira de rodas porque tenho problemas de equilíbrio e uso de meus membros inferiores.

Gina e eu estamos juntos há pouco mais de três anos.

Gina nunca se incomodou com a deficiência. Ela fez muitas perguntas no início de nosso relacionamento, mas eu não me importei com isso. Como ela sabia que eu era deficiente desde o início, e desenvolvemos nosso relacionamento online, quando nos conhecemos pessoalmente já estávamos bastante envolvidos e isso já não importava.

Em termos de percepções sociais, é interessante que as pessoas muitas vezes supõem que somos irmãos. Claro, nós dois somos ruivos, mas acho que é mais fácil para as pessoas presumirem que alguém com deficiência sairia com a família, em vez de ter um parceiro.

Também acontece de um monte de gente agradecer ou elogiar Gina por estar comigo, o que me faz soar como um prêmio de consolação ou que ela se contentou com algo que não deveria ter que lidar.

As pessoas também parecem pensar que deve ser uma relação bastante unilateral, com Gina fazendo tudo por mim. Pelo contrário: é uma via de mão dupla, assim como os relacionamentos de todas as outras pessoas. Sim, ela pode ajudar fisicamente no dia a dia, mas eu a apoio nos conflitos mentais e na vida cotidiana.

Se há uma coisa que quero que as pessoas entendam é que relacionamentos são relacionamentos. Eles têm altos e baixos, responsabilidades, cuidado e compreensão um pelo outro. Ter uma deficiência não muda isso. Se você está se relacionando com alguém com deficiência, é apenas isso. Sem segundas intenções.

Gina diz…

Quando começamos a conversar, perguntei a Charlie se ele se importaria se eu fizesse algumas perguntas… para quebrar o gelo, perguntas sobre a vida. Eu disse que ele poderia fazer o mesmo, e transformamos isso em um jogo bobo divertido.

Muitas das minhas perguntas envolviam questões sobre sua deficiência, mas eu disse que se eu fizesse uma pergunta estúpida ou que ele não quisesse responder, ele não precisava. Ajudou a abordar muita coisa, então quando nos conhecemos nada pareceu estranho.

Avance três anos. Quando saímos, já me acostumei com o olhar chocado e de compaixão que recebo quando menciono que meu namorado é cadeirante ou que tenho que ajudá-lo em certas tarefas. As pessoas dizem: “Isso deve ser demais para você… Aposto que foi difícil decidir se você queria seguir em frente com o relacionamento”.

A resposta, sem rodeios, é não. Sempre respondo com um elogio a Charlie ou explico que não, não estou em um relacionamento unilateral opressivo, pelo contrário, estou com ele porque ele é uma pessoa incrível, amorosa e atenciosa.

Acho que muitos mal-entendidos vêm de pessoas que acreditam que ajudar uma pessoa com deficiência só pode ser uma tarefa árdua — a tarefa de um assistente ou de um amigo remunerado.

O que eles não conseguem entender é que, na verdade, quando ajudo Charlie, isso não enfraquece o relacionamento nem leva embora o amor. Se faz alguma coisa, é intensificar. Nunca uso a palavra cuidadora por esse motivo, sou parceira de Charlie em tudo.

‘Há um tabu em torno de deficiência e sexo’

Lucy e Arun

Lucy diz que, ao contrário do que pensam, cuidar de Arun apenas fortalece a relação deles

Lucy diz…

Eu tenho fibromialgia, uma deficiência musculoesquelética. Os sintomas incluem dor crônica, confusão mental, fadiga crônica e provavelmente o que mais me afeta — a mobilidade. Eu regularmente preciso usar um bastão de caminhada ou outro suporte.

Conheci o Arun há mais de dois anos em um programa de intercâmbio em Los Angeles. Como sou muito aberta, ele se apaixonou por mim sabendo da minha deficiência.

Arun entende que meu corpo é muito diferente e imprevisível — ele não só é a pessoa mais carinhosa, mas também a mais companheira.

No dia a dia, preciso de muita ajuda para manter minha mobilidade, pois tenho dificuldade com o transporte público, não posso andar muito longe e infelizmente no momento não posso dirigir (muita coisa tem que ser levada em consideração). Tenho sorte que Arun dirige e me ajuda a realizar tarefas, como fazer compras.

O fato de a fibro ser invisível significa que somos inicialmente vistos como um casal sem deficiência, mas isso significa que pode ser um choque mais visível para algumas pessoas.

É frustrante, pois Arun é bombardeado com muitas perguntas. Em público, tendo a ignorar muito mais, ao passo que ele às vezes fica muito irritado. No entanto, em casa, tenho muito mais ataques de pânico e crises nervosas porque é incrivelmente opressor.

Gostaria que as pessoas entendessem que minha deficiência não lhes dá direito a mais informações sobre minha vida privada em comparação com qualquer outra pessoa.

Dito isso, definitivamente existe um tabu em torno da deficiência e do sexo, uma vez que as pessoas pensam que não se pode ter os dois.

Embora possa ser verdade em alguns casos, sinto que as pessoas com deficiência têm um apreço muito mais profundo sobre o que significa intimidade e fazer sexo. Não se trata apenas de penetração (desculpe ser tão direta), mas penso mais nos sentimentos e nas emoções, nas preliminares e no prazer.

‘O cuidado deve existir em todos os relacionamentos românticos’

Lorna e Rob
Lorna e Rob estão juntos há 11 anos

Lorna diz…

Estou com Rob há 11 anos, e casada há quatro. Estávamos juntos há cerca de sete anos quando fui diagnosticada com encefalomielite miálgica, que causa fadiga severa e me deixa frequentemente usando uma cadeira de rodas e confinada em casa a maior parte do tempo.

Também significa que Rob tem que me ajudar com alguns cuidados pessoais, como tomar banho e outras tarefas do dia a dia.

Eu diria que isso realmente nos aproximou como casal, e continua a aproximar. Acho que o cuidado dentro de um relacionamento, embora muitas vezes difícil de conduzir, pode ser muito íntimo.

Isso não quer dizer que tenha sido uma adaptação fácil para nenhum de nós.

A transição foi difícil para mim, pois minha vida mudou drasticamente. Tive de abandonar minha carreira de professora e isso realmente impactou meu senso de autoestima.

No entanto, tive sorte de poder ter acesso a terapia pelo NHS (serviço de saúde público do Reino Unido), e meu terapeuta e eu trabalhamos muito isso. A principal coisa que ajudou foi reformular o que consideramos ser “útil”.

Então embora eu possa não ser capaz de aspirar a casa ou cozinhar, eu sou toda ouvidos quando ele precisa desabafar sobre como foi o dia. E faço o cardápio das refeições para garantir que ambos tenhamos uma alimentação saudável e equilibrada.

O fato é que o cuidado de alguma forma deve existir em todos os relacionamentos românticos — com deficiência ou não — do contrário, o que exatamente vocês estão fazendo um com o outro?

BBC / DAVID WELLER
BBC / DAVID WELLER

Em relação à vida fora de casa, ter uma condição flutuante e fadiga crônica significa que nunca podemos fazer de fato planos concretos.

Obviamente, ainda temos nossos momentos de frustração, mas eu diria que isso realmente nos ensinou a ser mais flexíveis e descontraídos, e também a viver um pouco mais no presente e apreciar as pequenas coisas que ainda são acessíveis para nós.

Além disso, aquele cara é tipo, obcecado por mim ou algo assim, ele está feliz apenas por estar comigo! Nossa vida sexual é forte, principalmente porque nos comunicamos.

Como sociedade, ainda não conseguimos ver as pessoas com deficiência como seres humanos plenamente realizados, com o mesmo espectro de necessidades emocionais e físicas que qualquer outra pessoa.

Isso precisa mudar. Perdi toda a minha confiança e temia que meu marido não me achasse mais desejável, mas isso não poderia estar mais longe da verdade.

Além disso, ainda desejo demais o meu marido, então isso sempre ajuda.

Leia a reportagem original (em inglês) no site BBC Three.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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