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Nova Identidade PcD: Menos Burocracia ou Mais Estigma?

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A burocracia sempre foi um grande obstáculo para as pessoas com deficiência no Brasil. Para tentar mudar essa realidade, o deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM) está articulando a aprovação do Projeto de Lei 3648/2004, que cria a Carteira Nacional da Pessoa com Deficiência (CNPCD). A expectativa é que a nova identidade PcD seja aprovada ainda este ano. Durante uma entrevista à CNN, o deputado explicou que o principal objetivo da CNPCD é eliminar a necessidade de apresentar novos laudos médicos repetidamente para comprovar a deficiência, especialmente nos casos de condições permanentes.

Com a criação da CNPCD, todos os documentos das pessoas com deficiência serão unificados. Isso significa que, ao apresentar essa carteira, ninguém precisará renovar laudos constantemente para acessar direitos e serviços municipais ou estaduais. A ideia é tornar a vida dessas pessoas mais simples e garantir que seus direitos sejam respeitados em todo o país.

Os Possíveis Problemas da CNPCD

Apesar das vantagens, a Carteira de Identidade PCD pode, em alguns casos, gerar preocupações quanto à rotulação e ao estigma das pessoas com deficiência. Embora tenha sido criada para facilitar o acesso a direitos e reduzir a burocracia, é necessário analisar alguns desafios e riscos envolvidos.

1. Identificação x Rotulação

A CNPCD tem a intenção de evitar barreiras burocráticas e garantir mais facilidade no reconhecimento da deficiência. No entanto, ao criar uma identificação específica para essa população, pode-se reforçar a separação entre pessoas com e sem deficiência, em vez de promover uma inclusão mais natural.

Ponto positivo: Facilita o acesso a benefícios e políticas públicas.
Ponto negativo: Pode reforçar a ideia de que pessoas com deficiência devem ser sempre diferenciadas, em vez de plenamente incluídas na sociedade.

2. Risco de Discriminação e Preconceito

Se a CNPCD for exigida com frequência ou utilizada como marcador obrigatório, há o risco de expor a pessoa a situações constrangedoras ou discriminatórias. O desconhecimento e o preconceito ainda são desafios presentes na sociedade.

  • Exemplo 1: Um empregador pode, mesmo que indiretamente, discriminar candidatos que apresentem a CNPCD, supondo erroneamente que possuem limitações incompatíveis com o trabalho.
  • Exemplo 2: Em locais públicos, alguém pode ser tratado de maneira infantilizada ou com pena, reforçando estereótipos negativos sobre a deficiência.

3. Invisibilização da Autonomia

A posse de uma carteira específica pode, em algumas situações, gerar um olhar capacitista sobre a pessoa com deficiência, como se ela fosse sempre dependente de ajuda. Em vez de promover a autonomia, a CNPCD pode se tornar um critério para decidir quem “merece” certos direitos.

Risco: Algumas pessoas podem ser julgadas por não parecerem “deficientes o suficiente” e sofrerem desconfiança ao utilizar a CNPCD.
Reflexão: Será que um documento único para todos é a melhor solução? Ou seria mais eficaz investir em políticas públicas mais acessíveis sem a necessidade de uma identificação extra?

4. Violação da Privacidade

Outro ponto crítico é o direito à privacidade. A CNPCD pode acabar expondo informações sensíveis sobre a condição da pessoa sem que ela deseje divulgá-las.

  • Cenário possível: Em um atendimento público, um funcionário pode pedir a carteira em voz alta, expondo a deficiência para outras pessoas sem necessidade.
  • Impacto: Algumas pessoas com deficiência podem preferir não revelar sua condição, especialmente em ambientes onde o capacitismo é forte.

Alternativas e Caminhos Possíveis

Para que a nova identidade PcD seja um avanço sem reforçar rótulos negativos, algumas medidas poderiam ser adotadas:

Uso opcional: A carteira deve ser um direito, não uma obrigação.
Treinamento de profissionais: Servidores públicos e funcionários de empresas devem ser capacitados para lidar com a CNPCD sem discriminar ou estigmatizar.
Autonomia da pessoa com deficiência: O uso da carteira deve ser uma escolha do indivíduo, sem imposição ou obrigatoriedade.

Conclusão: Solução ou Novo Obstáculo?

A nova identidade PcD tem potencial para ser um marco importante na luta por mais agilidade e justiça no acesso a direitos. Ao centralizar informações e eliminar a exigência constante de laudos médicos, ela pode reduzir significativamente a burocracia que historicamente afeta pessoas com deficiência no Brasil.

No entanto, é fundamental que sua implementação seja feita com sensibilidade e responsabilidade. Um documento que nasce com a intenção de promover autonomia e facilitar a vida das pessoas não pode, em contrapartida, reforçar estigmas ou alimentar uma lógica de segregação. Quando um recurso de identificação se torna uma marca visível da deficiência, ele pode acabar sendo usado — intencionalmente ou não — como instrumento de rotulação, julgamento e exclusão.

A deficiência é apenas uma parte da identidade de alguém, e não deve definir sua totalidade. Por isso, é essencial garantir que o uso da carteira seja sempre opcional, respeitando o direito à privacidade e à autodeterminação. Mais do que criar um novo documento, é preciso promover uma mudança de cultura que valorize a diversidade humana em sua plenitude, sem reforçar limites ou categorias rígidas.

O verdadeiro avanço será quando o acesso a direitos não exigir que as pessoas provem, reiteradamente, sua condição. E que, ao mesmo tempo, possam circular e viver suas vidas com dignidade, sem que isso dependa de rótulos ou validações externas.

Agora queremos saber sua opinião! Você acha que a nova identidade PcD pode reforçar rótulos ou será uma ferramenta positiva? Como podemos garantir que essa iniciativa beneficie a todos sem discriminar? Comente e compartilhe sua visão!

Equipe Deficiente Ciente

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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