O Direito de Ser Diferente: Parte 2
Caro leitor,
Dando continuidade ao artigo “O Direito de Ser Diferente” de Cidinei Bogo Chatt, Procurador da Fazenda Nacional, mestrando da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), veja hoje a segunda parte desse interessante artigo. Recomendo que leia a primeira parte para que possa entender melhor.
“Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenças. Ou seja, querem participar, mas querem também que suas diferenças sejam reconhecidas e respeitadas.” (Boaventura de Sousa Santos)
Princípio da Igualdade Formal e Material
Segundo Gregório Assagra de Almeida, em sentido vulgar o vocábulo “princípio” (3) tem o significado de origem, começo, nascedouro. Por outro lado, assevera que no campo do direito a palavra “princípio” tem significado de normas elementares ou preceitos primordiais instituídos como alicerce de alguma coisa. Aduz que nessa concepção, os princípios exprimem sentido mais importante que as regras jurídicas e significam pontos básicos que constituem o próprio alicerce do direito. (4)
Sob tal enfoque, Celso Antônio Bandeira de Mello define princípio como sendo mandamento nuclear de um sistema, o alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência. Segundo este, violar um princípio é mais grave que transgredir uma norma. (5)
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 consagrou tanto o princípio da igualdade formal, quanto o princípio da igualdade material. Pode-se dizer que a igualdade material encontra-se assentada no art. 3º do texto Constitucional, o qual determina que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. De outra banda, o caput do art. 5º da Constituição Federal prevê a igualdade formal, ou seja, a igualdade de todos perante a lei.
Noutras palavras, a igualdade formal impede que pessoas que se encontrem na mesma situação fática tenham tratamento desigual. Lado outro, em face do princípio da igualdade material, impõe-se à adoção de medidas reparadoras objetivando a redução das desigualdades de fato, por meio de tratamento diferenciado as pessoas de se encontrem em situações de desigualdade.
O tema entabulado também é tratado por Luiz Alberto David Araújo, para quem o princípio da igualdade tem duas vertentes: I – igualdade formal ou igualdade perante a lei: não se admite qualquer privilegio, tratando-se igualmente todas as pessoas; II – igualdade material ou igualdade na lei: o texto constitucional cuida de realçar certos valores, direitos de pessoas ou grupos, os quais necessitam de proteção especial. Ou seja, está-se diante de uma autorização para desigualar. (6)
Trata-se de discriminações positivas que constituem, na verdade, preceitos compensatórios como solução para superar as diferenças existentes. Nesse sentido, manifesta-se Berenice Dias, aduzindo que se deve atentar não é à igualdade perante a lei, mas ao direito à igualdade mediante eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam diferenciações específicas, única forma de dar efetividade ao preceito isonômico consagrado na Constituição. (7)
Nessa conjuntura, insta ressaltar que o objetivo da Constituição Federal é a aplicação do princípio isonômico, tratando-se desigualmente os desiguais, ao se estabelecer um tratamento especial às pessoas diferentes.
Portanto, o princípio da igualdade surge como ponto de equilíbrio entre os direitos das pessoas “ditas” normais e das pessoas diferentes. É razoável entender que a pessoa diferente tem, pela sua própria condição, direito à quebra da igualdade.
Direito de Ser Diferente (8)
Conforme asseverou Charles Evans Hughes (9), quando perdemos o direito de ser diferentes, perdemos o privilégio de ser livres. (10) Nesse sentido, o princípio da igualdade defendido pelos direitos humanos assegura o respeito às diferenças e determina que todos devam ser tratados iguais quando a desigualdade puder implicar em prejuízo de alguns.
Nesse viés, a igualdade assegura ao ser humano o direito de ser diferente, de não ser submetido a tratamento de modificação de personalidade, proibindo qualquer forma de discriminação e de tratamento desigual em razão de origem, sexo, idade, cor, raça, estado civil, deficiência, crença religiosa, convicção filosófica ou política, situação familiar, orientação sexual etc.
Sábias são as palavras de Boaventura de Sousa Santos, esclarecendo que: “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenças. Ou seja, querem participar, mas querem também que suas diferenças sejam reconhecidas e respeitadas.”
De outra parte, registre-se que a educação para o respeito à diferença deve ser iniciada desde cedo, com as crianças. Conforme ensinamento de Sigmund Freud, a nossa personalidade está inteiramente formada até os 7 (sete) anos de idade, sendo que, a partir daí, é imutável.
Nessa perspectiva, cabe transcrever a brilhante lição do mestre Humberto Eco, ao asseverar que: “Deve-se ensinar às crianças que os seres humanos são muito diferentes entre si e explicar-lhes em que se diferenciam, para então mostrar que essas diferenças podem ser uma fonte de enriquecimento para todos.”
A sociedade deve ter em mente que a diversidade ou diferença não é um problema, mas sim, uma solução. Todo ser humano tem o direito de ser autêntico, de ser diferente. Ora, o que todos queremos é ser feliz, inclusive, as pessoas diferentes.
Enfim, toda sociedade deve ser capaz de aceitar e conviver com as diferenças. Deve-se criar a consciência de que ser diferente é bom. Quanto mais pessoas se unirem em torna dessa idéia, mais rapidamente caminharemos para uma sociedade justa, pacífica e igualitária.
Fonte: http://www.uj.com.br/
Leia a última parte desse texto: O direito de ser diferente – Parte Final
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