O poder da vontade. Membros biônicos que permitem correr, escalar e dançar
Hugh Herr está construindo a próxima geração de membros biônicos, próteses robóticas inspiradas nos designs da própria natureza.
Hugh Herr perdeu ambas as pernas em um acidente há 30 anos, quando escalava; agora, como chefe do grupo de Biomecatrônica do MIT Media Lab, nos Estados Unidos, mostra sua incrível tecnologia em uma palestra tanto técnica como profundamente pessoal — com a ajuda da dançarina de salão Adrianne Haslet-Davis, que perdeu sua perna esquerda no bombardeio da Maratona de Boston de 2013, e se apresenta novamente pela primeira vez no palco do TED.
No MIT, Hugh Herr desenha e constrói próteses de joelhos, pernas e quadris usando uma tecnologia que funde a biomecânica com microprocessadores eletrônicos. O objetivo é restaurar os movimentos, o equilíbrio e a velocidade normais – e talvez até mesmo melhorar a performance para além do normal.
Vídeo: Palestra de Hugh Herr no TED:
Hugh Herr dirige o grupo de pesquisa Biomechatronics no MIT Media Laboratory, pioneiro na produção de uma nova classe de próteses bio-híbridas inteligentes e exoesqueletos, destinados a incrementar a qualidade de vida de milhares de pessoas com deficiências físicas. Uma prótese controlado por computador, denominada Rheo Knee, por exemplo, pode continuamente enviar estímulos que mantêm correta a posição do joelho e as pressões aplicadas sobre aquela região. Uma poderosa prótese que reproduz uma perna inteira, do quadril ao pé, possui um dispositivo denominado BiOM que imita a ação de uma perna natural possibilitando a pessoas amputadas caminhar com níveis normais de andamento e velocidade, como se possuísse uma perna biológica normal.
Tradução integral da palestra de Hugh Herr:
Olhando profundamente a natureza através da lente de aumento da ciência, projetistas extraem princípios, processos e materiais que estão formando a base da metodologia do design, desde construções sintéticas que se assemelham a materiais biológicos até métodos computacionais que simulam processos neurais, a natureza está conduzindo o design. O design também está conduzindo a natureza. No reino da genética, medicina regenerativa e da biologia sintética, projetistas estão desenvolvendo novas tecnologias nunca antes vistas ou previstas pela natureza.
A biônica explora a interação entre a biologia e o design. Como podem ver, minhas pernas são biônicas. Hoje contarei histórias humanas de integração biônica, Como dispositivos eletromecânicos anexados ao corpo e implantados dentro do corpo estão começando a fechar a lacuna entre incapacidade e capacidade, entre limitação humana e potencial humano.
A biônica definiu minha corporalidade. Em 1982, minhas pernas foram amputadas pelo dano gerado ao tecido devido ao congelamento que ocorreu durante um acidente de alpinismo. Naquele momento, eu não vi meu corpo como quebrado. Eu argumentava que o ser humano jamais pode estar quebrado. A tecnologia é que está quebrada. A tecnologia é que é inadequada.
Essa ideia simples mas poderosa foi um chamado para evoluir a tecnologia para eliminar minha própria deficiência e finalmente a deficiência de outros. comecei desenvolvendo membros especializados que me permitissem retornar ao mundo vertical da escalada de rocha e gelo. Rapidamente me dei conta de que a parte artificial de meu corpo é maleável, capaz de assumir qualquer forma, qualquer função um tela branca para se criar talvez estruturas que pudessem ir além da capacidade biológica. Deixei minha altura ajustável. Eu podia ter só um metro e meio ou ser tão alto quanto quisesse. Então, quando eu me sentia mal, inseguro, era só aumentar minha altura, mas quando estivesse me sentindo confiante, diminuiria minha altura um grau só para dar alguma chance à competição. Os pés estreitos e cunhados me permitiram escalar fissuras íngremes da rocha onde os pés humanos não podem penetrar, e os pés pontudos me permitiram escalar paredes verticais de gelo sem sentir fadiga no músculo da perna.
Através da inovação tecnológica, retornei para meu esporte mais forte e melhor. A tecnologia havia eliminado minha deficiência e me permitido uma nova proeza na escalada. Como jovem, imaginei o mundo futuro onde tanto avanço tecnológico pudesse livrar o mundo da deficiência, um mundo onde implantes neurais permitiriam ao cego enxergar, um mundo no qual o paralítico pudesse andar através dos exoesqueletos do corpo.
Infelizmente, devido às deficiências na tecnologia, há excesso de deficientes no mundo. Este senhor não possui três membros. Como um testemunho à tecnologia atual, ele está fora da cadeira de rodas, mas precisamos fazer um trabalho melhor na biônica, para permitir um dia a reabilitação total para a pessoa com este nível de lesão.
No MIT Media Lab, nós estabelecemos o Centro de Biônica Extrema. A missão do centro é avançar a ciência fundamental e a capacidade tecnológica que permitirá o reparo biomecatrônico e regenerativo de seres humanos através de uma larga escala de deficiências cerebrais e corporais.
Hoje, contarei a vocês como minhas pernas funcionam, como elas trabalham, como um caso no centro desta questão. Eu fiz questão de depilar minhas pernas ontem à noite, pois sabia que iria mostrá-las. A biônica implica na engenharia de interfaces extremas.
Há três interfaces extremas em meus membros biônicos: mecânica, como os meus membros são ligados a meu corpo biológico; dinâmica, como se movem como carne e osso; e elétrica, como se comunicam com meu sistema nervoso. Vou começar com a interface mecânica.
Na área do design, nós ainda não entendemos como anexar dispositivos ao corpo mecanicamente. É extraordinário para mim que, hoje em dia, uma das tecnologias mais antigas na cronologia humana, o sapato, ainda nos cause bolhas. Como pode? Não sabemos como anexar coisas aos nossos corpos. Este é o lindo trabalho de design lírico do Professor Neri Oxman, do MIT Media Lab, mostrando variações espaciais de impedâncias exoesqueléticas mostrado aqui como variação de cor neste modelo impresso em 3D. Imagine um futuro onde as roupas sejam duras e macias onde você precisa, e quando precisa, para um melhor suporte e flexibilidade, sem causar desconforto.
Meus membros biônicos são unidos ao corpo biológico através de peles sintéticas, com variações de rigidez que imitam a biomecânica por baixo do meu tecido. Para conseguir essa imitação, primeiro desenvolvemos um modelo matemático do meu membro biológico. Para isso, usamos instrumentos de visualização como a ressonância magnética para ver dentro do meu corpo, para entender geometrias e posições de vários tecidos. Também utilizamos ferramentas robóticas. Aqui, um círculo de 14 acionadores que circunda o membro biológico. Os acionadores entram, encontram a superfície do membro, medem sua forma descarregada, e então eles pressionam os tecidos, medindo a conformidade do tecido em cada ponto anatômico.
Combinamos dados de visualização e robóticos para criar uma descrição matemática do meu membro biológico, à esquerda. vocês veem um grupo de pontos ou nós. Em cada nó, uma cor mostra a conformidade do tecido. Assim nós fazemos uma transformação matemática ao desenho da pele sintética à direita, e descobrimos que, onde o corpo é rígido, a pele sintética deve ser suave; onde o corpo é suave, a pele sintética é rígida; e esse espelhamento ocorre por todas as conformidades do tecido. Com essa estrutura, nós produzimos membros biônicos que são os membros mais confortáveis que já usei.
Claramente, no futuro, nossas roupas, sapatos, aparelhos, nossas próteses não serão mais projetados e fabricados através de estratégias artesanais, e sim estruturas quantitativas baseadas em dados. No futuro, nossos sapatos Não causarão mais bolhas. Também estamos inserindo materiais inteligentes e de detecção nas peles sintéticas. Este é um material desenvolvido pela SRI International, Califórnia. Sob o efeito eletrostático, muda a rigidez. Assim, com a voltagem zero, o material é complacente. É flexível como papel. Uma vez acionado o botão, uma voltagem é aplicada, e torna-se rígido como uma tábua.
Nós incorporamos este material sob a pele sintética que une meu membro biônico ao meu corpo biológico. Quando eu ando aqui, não há voltagem. Minha interface é macia e complacente. Acionando o botão, aplica-se a voltagem, e ele se firma, dando-me maior margem de manobra do membro biônico. Também estamos construindo exoesqueletos.
Este exoesqueleto torna-se rígido e suave nas áreas certas do ciclo de corrida para proteger as juntas biológicas de altos impactos e degradação. No futuro, todos usaremos exoesqueletos em atividades comuns como, por exemplo, correr. Uma interface dinâmica.
Como meus membros biônicos se movem como carne e osso? Em meu laboratório do MIT, estudamos como humanos com fisiologias normais, ficam de pé, andam e correm. O que os músculos estão fazendo e como são controlados pela medula espinhal. Essa ciência básica é que gera o que construímos. Construímos tornozelos, joelhos e quadris biônicos. Construímos as partes do corpo de baixo para cima. Os membros biônicos que estou usando são chamados BiOMs. Eles foram adaptados a quase mil pacientes, 400 dos quais foram para soldados feridos dos Estados Unidos. Como funciona? No apoio do calcanhar, sob controle do computador, o sistema controla a rigidez para atenuar o impacto do membro ao tocar o chão. Assim, na postura, os membros biônicos emitem alto esforço de rotação para levantar a pessoa para dar o passo, comparável a como os músculos trabalham na região da panturrilha. Esta propulsão biônica é muito importante clinicamente para os pacientes. À esquerda, um dispositivo usado por uma senhora. À direita, um dispositivo passivo usado pela mesma senhora, e não consegue simular a função normal do músculo, permitindo-lhe fazer algo que todos deveriam ser capazes de fazer, subir e descer os degraus de casa.
A biônica permite feitos atléticos extraordinários. Aqui está um senhor correndo por um caminho rochoso. Este é Steve Martin, não o comediante, que perdeu as pernas numa explosão no Afeganistão. Também estamos construindo estruturas de exoesqueletos, utilizando estes mesmos princípios, que envolvem os membros biológicos. Este senhor não possui nada nas pernas, nenhuma deficiência Ele possui uma fisiologia normal. Então, estes exoesqueletos estão agindo nos músculos como força de rotação. Assim, seus próprios músculos não necessitam daqueles movimentos de força de rotação. Este é o primeiro exoesqueleto na história que realmente reforça o andar humano. Reduz significativamente o custo metabólico. Seu esforço é tão profundo que quando uma pessoa normal, saudável, usa-o por 40 minutos e depois o retira, suas próprias pernas biológicas parecem pesadas e desajeitadas.
Estamos iniciando a era na qual máquinas anexadas ao corpo nos tornarão mais fortes e rápidos e mais eficientes. Prosseguindo para a interface elétrica, como os membros biônicos se comunicam com meu sistema nervoso?
Pelo meu membro residual há eletrodos que medem o pulso elétrico dos meus músculos, que se comunicam com meu membro biônico. Assim, quando eu penso em mover meu membro fantasma, o robô segue a pista dos desejos de movimento. Este diagrama mostra fundamentalmente como o membro biônico é controlado. Assim, modelamos o membro biológico ausente, e descobrimos quais reflexos ocorreram, como os reflexos da medula espinhal estão controlando os músculos, e essa capacidade está inserida nos chips do membro biônico. O que fizemos foi que nós modulamos a sensibilidade do reflexo, o reflexo espinhal modelado, com o sinal neural. Assim, quando relaxo os músculos do membro residual, fico com pouco esforço de rotação e potência, mas quanto mais eu ativo meus músculos maior esforço de rotação eu consigo, e posso até correr. E esta foi a primeira demonstração de uma marcha de corrida sob comando neural. Sensação ótima.
Queremos dar um passo adiante. Queremos fechar o ciclo entre o membro humano e o membro biônico externo. Estamos realizando experimentos em que cultivamos nervos, nervos atravessados, por canais, ou raios de microcanais. Pelo outro lado do canal, o nervo então se anexa às células, células da pele e musculares. Nos canais motores, podemos sentir como a pessoa deseja se movimentar. E pode ser enviado via wireless ao membro biônico, então, sensores no membro biônico podem ser convertidos a estímulos em canais adjacentes, canais sensoriais. Quando isso estiver completamente desenvolvido para utilização humana, pessoas como eu terão não somente membros sintéticos que se movimentam como carne e osso, mas que, na verdade, dão a sensação de carne e osso. Este vídeo mostra Lisa Mallette, pouco após usar dois membros biônicos.
Realmente a biônica está fazendo uma profunda diferença na vida das pessoas.
(Video) Lisa Mallette: Meu Deus. Meu Deus. Não acredito. É como se eu tivesse uma perna de verdade. Não comece a correr.
Homem: Agora vire-se e faça a mesma coisa subindo. Suba, do calcanhar ao dedão, como você caminharia no plano. Tente subir a rampa.
LM: Meu Deus!
Homem: Está empurrando-a para cima?
LM: Sim! Não estou nem… Não consigo descrever.
Homem: Está empurrando-a para cima.
Hugh Herr: Semana que vem, vou visitar os centros… Obrigado, obrigado.
Obrigado. Semana que vem, vou visitar o Centro de Serviços de Assistência Médica, e tentarei convencê-los a ceder preço e código de linguagem apropriados para que esta tecnologia possa ser disponibilizada aos pacientes que necessitarem dela. Obrigado. Não é muito reconhecido, mas mais da metade
da população mundial sofre de alguma forma de condição cognitiva emocional, sensorial ou motora, e, devido à tecnologia precária, muitas vezes, estas condições tornam-se deficiências e uma qualidade de vida pior. Níveis básicos de funções fisiológicas deveriam ser parte de nossos direitos humanos. Toda pessoa deveria ter o direito de viver sem deficiência, se eles assim quiserem; o direito de viver sem depressões; o direito de ver a pessoa amada, no caso da visão debilitada, ou o direito de andar ou dançar, no caso de membros paralíticos ou membros amputados. Como sociedade, podemos conquistar estes direitos, se aceitarmos a proposição de que humanos não são deficientes. Uma pessoa nunca pode estar quebrada. Nossos ambientes artificiais, nossas tecnologias, são quebrados e incapazes. Nós não precisamos aceitar nossas limitações, e podemos transcender nossa deficiência através da inovação tecnológica. Através de avanços fundamentais na biônica neste século, iremos construir a base tecnológica para uma experiência humana melhor, e acabaremos com a deficiência.
Eu gostaria de terminar com mais uma história, uma linda história, a história de Adrianne Haslet-Davis. Adrianne perdeu sua perna esquerda no ataque terrorista em Boston. Eu conheci Adrianne quando esta foto foi tirada, no Hospital Spaulding de Reabilitação. Adrianne é uma dançarina de salão. Adrianne respira e vive a dança. É como ela se expressa. É sua forma de arte.
Naturalmente, quando ela perdeu seu membro no ataque terrorista em Boston, ela queria voltar à pista de dança. Após conhecê-la e levá-la para casa, eu pensei: “Sou um professor do MIT. Tenho recursos, vamos construir um membro biônico para ela, para capacitá-la a voltar para sua vida na dança”. Eu trouxe cientistas do MIT especialistas em próteses, robótica, aprendizagem de máquina e biomecânica, e durante 200 dias de pesquisa, nós estudamos a dança. Trouxemos dançarinos com membros biológicos e estudamos como eles se movimentam, quais forças eles aplicam na pista de dança. Pegamos esses dados e estudamos os princípios fundamentais da dança, capacidade reflexiva da dança, e incluímos essa inteligência ao membro biônico. A biônica não se trata só de tornar as pessoas mais fortes e rápidas. Nossa expressão e nossa humanidade podem ser incorporadas à eletromecânica. Foram 3,5 segundos entre as explosões no ataque terrorista de Boston. Em 3,5 segundos, os criminosos e covardes tiraram Adrianne da pista de dança. Em 200 dias, nós a colocamos de volta. Não seremos intimidados, abatidos, diminuídos, vencidos ou impedidos por atos de violência. Senhoras e senhores, permitam-me apresentar Adrianne Haslet-Davis, em sua primeira apresentação desde o ataque. Ela vai dançar com Christian Lightner, a música “Ring My Bell”, por Henrique Iglesias.
Senhoras e senhores, membros do time de pesquisa: Elliott Rouse e Nathan Villagaray-Carski. Elliott e Nathan.
Fonte: http://www.brasil247.com/