Pacientes administrando drogas experimentais por conta própria. Até que ponto isso é válido?
A história do surfista Eric Valor é comum entres os pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA). Num dos dias de surfe na Califórnia, Eric percebeu que seu pé não estava mais respondendo como de costume. Simplesmente não conseguia mais se posicionar na prancha. Os sintomas se estenderam por outros membros e os tremores nos músculos do braço foram ficando mais frequentes. Eric foi diagnosticado como portador de ELA em 2005 e hoje está paralisado do pescoço pra baixo, e se mantém vivo por meio de um respirador artificial.
Pacientes de ELA e o direito a vida
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Em 2010, Eric tomou conhecimento de um tratamento clinico experimental para sua doença. A droga NP001 foi desenvolvida por uma indústria farmacêutica na cidade de Palo Alto e os testes clínicos iniciais mostraram baixa toxicidade – ela seria, portanto, segura para o uso em humanos. Infelizmente, Eric não pode participar da pesquisa, pois o estado avançado da doença não permitiu que se enquadrasse nos testes clínicos. Frustrado, começou a pesquisar no PubMed – site que disponibiliza trabalhos publicados em pesquisa biomédica – como poderia conseguir o medicamento por outros meios. Depois de muita pesquisa, identificou um precursor da droga que poderia ser comprado na Tailândia, mas os custos de importação eram altíssimos. Após sucessivas pesquisas, concluiu que o principio ativo da NP001 poderia ser o químico denominado de clorito de sódio, usado em sistemas de purificação de água e de fácil acesso – não confundir com o cloreto de sódio, que é o sal de cozinha. Cerca de um ano atrás, ele começou a tomar o químico por conta própria. Vale lembrar que o uso oral do clorito de sódio não é aprovado para tratamento de nenhuma doença humana. Mesmo assim ele foi em frente e acredita que esteja funcionando, relatando melhorias no tônus muscular e articulação vocal.
A princípio, Eric preferiu manter sigilo, pois não sabia se o tratamento seria seguro. Mas o segredo acabou vazando. O interesse da comunidade de ELA foi grande e discussões online levaram a criação dos testes “DIY” (“do-it-yourself”, ou feito por conta própria). Cerca de 30 pacientes estão atualmente tomando clorito de sódio oralmente e registrando os resultados em uma rede social chamada “PatientsLikeMe” (“pacientes como eu”, em inglês) (http://www.patientslikeme.com/). Apesar de experimentos desse tipo não terem uma supervisão médica e cientifica rigorosa, como é requisitado em testes clínicos oficiais, outros dados gerados por pacientes nesse site já apareceram em prestigiadas revistas cientificas como a “Nature Biotechnology”.
No caso de Eric, o alerta da comunidade cientifica tem sido maior. Não sabemos realmente se o clorito de sódio é o principio ativo do NP001, o medicamento nunca foi administrado oralmente em humanos e os pacientes estão comprando o reagente diretamente de indústrias químicas. O clorito de sódio não é um reagente preparado para o consumo humano. Impurezas e outros problemas com o controle de qualidade podem interferir nos resultados de cada paciente. É uma situação difícil. Se por um lado existe uma obrigação moral de avisar os outros pacientes de que existe algo que possa funcionar, por outro lado, informações como essa podem ser interpretadas erroneamente por outros pacientes. Felizmente, nesse caso, o risco parece ser moderado e os resultados dos 30 pacientes estão sendo analisados. Mas a história poderia ter tomado outro rumo, com uma droga mais tóxica que piorasse o quadro clínico desses pacientes.
Como cientista, considero essas ações arriscadas demais. Poderia justificar por ser uma doença fatal e com baixa qualidade de vida, mas o formato não controlado dessas experiências traz pouca informação útil aos pacientes. Talvez a melhor forma de unir as boas intenções dos pacientes em tentar algo novo com testes clínicos de qualidade seja incorporar cientistas especializados nesse tipo de abordagem para gerenciar e orientar os testes DIY. Obviamente, isso precisaria de um suporte financeiro considerável e de cientistas dispostos a arriscar a carreira em experimentos desse tipo.
*Alysson Muotri é biólogo molecular formado pela Unicamp com doutorado em genética pela USP. Fez pós-doutoramento em neurociência e células-tronco no Instituto Salk de pesquisas biológicas (EUA). Hoje é professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia.
Fonte: http://g1.globo.com/