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Pais enfrentam luta pela inclusão de filhos com Down na escola

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Lucca, 14 anos, estuda em uma escola regular da rede privada. Foto: Arquivo Pessoal
Lucca, 14 anos, estuda em uma escola regular da rede privada. Foto: Arquivo Pessoal

Simone Rodrigues Trigo, 45 anos, começou 2011 com uma missão: encontrar uma escola inclusiva para o filho, Lucca, que tem Síndrome de Down. Na época, ele cursava o 5º ano do ensino fundamental na Amora Centro Educacional, no Rio de Janeiro (RJ) – a última série oferecida pela instituição. Após percorrer mais de dez escolas nos bairros do Catete, Botafogo, Flamengo e da Glória, ela matriculou o filho no Centro Educacional Boechat. Não foi por falta de vagas que se deu a demora. Simone insistiu na busca porque as escolas que analisava ainda têm dificuldades para receber estudantes com necessidades especiais.

A situação de Simone não é recente. Desde que Lucca completou dois anos, ela passou a correr atrás de meios para que o filho pudesse estudar. Nesses 12 anos, nunca conseguiu matriculá-lo na rede pública: seja porque a escola não aceitava, seja porque não havia estrutura adequada e pessoal capacitado para atendê-lo da melhor forma. Da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), ela espera uma resposta sobre vaga há oito anos. “Eu não tenho coragem de colocar meu filho numa escola estadual, com 40 alunos para um professor. Ele não vai aprender”, frisa. Como sempre recorreu a profissionais da rede particular, a economista que saiu do mercado de trabalho quando teve a segunda filha, Maria Eduarda (hoje com oito anos), sente a necessidade financeira de retornar as suas atividades. Mas a rotina de estudos e os compromissos com os dois filhos – incluindo visitas a museus e ao Planetário, uma forma de reforçar o que é aprendido em sala de aula – são uma barreira importante.

Após um ano de experiência na nova escola, Simone destaca os esforços dos professores em não só ensinar Lucca, hoje com 14 anos, mas também aprender com ele. Lá, ele frequenta uma turma reduzida, com mais oito crianças, e tem acesso a provas diferenciadas. Com a cognição mais apurada, ele se entende melhor com fotos do que com temas pré-estabelecidos para escrever uma redação. Na matemática, evita-se contas com números muito grandes. Para fatos históricos, tudo bem perguntar quem foi o presidente assassinado durante uma peça no Teatro Ford, mas não vale o mesmo para datas. “Eu peço para não cobrar isso. É complicado. Dá para ver pelas nossas próprias dificuldades”, diz Simone. Além disso, as provas costumam ser de múltipla escolha, para que o estudante possa visualizar o que ele aprendeu e marcar a resposta correta. Essa realidade, no entanto, não se aplica a todas as instituições.

Em todo o Brasil, o número de matrículas de alunos especiais em classes regulares da educação básica em 2011 foi de 558.423 – equivalente a 74% das matrículas de alunos com esse perfil em instituições de ensino (o restante está em classes ou escolas exclusivamente especiais). O número fornecido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira (Inep) é muito próximo à população de Cuiabá, capital do Mato Grosso, mas quase nada comparado às mais de 50 milhões de matrículas da educação básica no País. Em 2003, esse índice era ainda menor: 145.141 matrículas.

Apesar do crescimento de 285%, o sistema educacional brasileiro ainda tem muito a trilhar em relação à educação especial. Especialistas reconhecem algumas iniciativas do Ministério da Educação (MEC), como a oferta do Atendimento Educacional Especializado e a implantação de salas com recursos multifuncionais (37,8 mil entre 2005 e 2011, de acordo com o MEC), mas ressaltam a necessidade de aumentar os investimentos para tornar as escolas de fato inclusivas. O principal problema, segundo a professora Enicéia Gonçalves Mendes, do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), está na formação dos professores. “Os cursos de graduação não mudaram. Poucos contêm a temática de ensino especial. Falta uma política de formação para esses profissionais”, afirma.

Lei que prevê condições no ensino regular não é cumprida

O Decreto nº. 7.611/11 prevê condições e estímulo ao acesso de crianças com necessidades especiais ao ensino regular. Ele substituiu o Decreto nº. 6.571/08 (que previa a escolarização dessas crianças apenas na rede convencional) e incluiu a possibilidade de dupla matrícula, para que os alunos possam frequentar também o atendimento especializado. Além da flexibilização, a nova política freou a ideia de transformar as escolas especiais em centros de apoio. Na prática, porém, a lei não é sinônimo de direitos e nem por isso transformou as escolas atuais em inclusivas. “A escola comum ainda não deseja essas crianças lá”, sustenta Enicéia, que também coordena o Observatório Nacional de Educação Especial.

Para Enicéia, a política atual de inclusão é muito simplista. Ainda que haja a oferta de serviço de apoio no contraturno, o aluno fica exposto, na maior parte do tempo, a um ensino  que não é personalizado e de baixa qualidade. É uma gangorra em que não há equilíbrio, já que duas horas (ou menos) não são suficientes para recuperar o que a outra instituição deixou de oferecer. Na visão de Simone, mãe de Lucca, falta ação do governo e informação para a sociedade. Com isso, o desconhecimento se torna um dos grandes combustíveis para o preconceito. Mas, ainda mais importante do que isso, ela destaca que aceitar o aluno não é suficiente: é preciso estar preparado para atender suas necessidades e possibilitar o aprendizado. “Escola inclusiva é difícil demais de achar. Isso é uma falha. Não tem suporte”, protesta Simone.

Escolas especiais também sofrem com falta de pessoal capacitado

Restituída como uma alternativa pelo decreto de 2011, a escola especial é encarada pela professora doutora em Educação Cláudia Rodrigues de Freitas, integrante do Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar (Nipie) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como um apoio transitório para as políticas de inclusão. “Eu acredito na escola única. Mas, nesse momento, o governo entende que esse processo de transição é necessário”, considera. Ainda assim, as instituições voltadas exclusivamente para alunos especiais não são mais a principal via de educação para essas pessoas. “Ainda é uma opção para uma minoria de alunos que não consegue acompanhar o ensino regular. São crianças que precisam de uma série de recursos”, explica Enicéia. Essas escolas, contudo, acabam sofrendo com os mesmos problemas das demais, como falta de recursos e de pessoal capacitado.

Ainda que veja a possibilidade de mantê-las como uma opção, a professora da UFSCar acredita que o melhor é investir na inclusão. “Entre 80% e 90% podem e devem estar na escola comum”, frisa. A ideia é compartilhada por Simone, que busca escolas inclusivas na ideia de, no futuro, ver Lucca no mercado de trabalho. “Eu não sei até onde ele vai, se ele vai fazer uma faculdade… Mas eu sei o que ele está conseguindo. Ele tem que aprender a conviver com essas pessoas”, diz a mãe. Além disso, ela observa que o aprendizado também serve para as outras crianças, que lidam com o diferente e trabalham diariamente a cidadania.

No Centro Educacional Boechat, Lucca já conquistou algumas adaptações do ensino a seu favor. Apesar de seus tropeços ao conjugar verbos no “tu” e no “vós”, Simone se mostra satisfeita com os resultados que o filho vem obtendo e, principalmente, com a dedicação da escola. Mas, mesmo que as turmas pequenas e as provas diferenciadas sirvam de exemplo, a conduta não pode nem deve ser tomada como um modelo absoluto para outras instituições. “Não se imagina que todos vão ter o mesmo padrão final. O aluno tem que ser a referência dele mesmo”, destaca a professora Cláudia. O nível de cobrança deve ser o mesmo para todos, mas a escola deve estar preparada para avaliar a situação do estudante individualmente e verificar se ele tem condições ou não de passar de ano.

Rede municipal absorveu mais alunos especiais

Na visão da professora da UFRGS, a educação brasileira vem trilhando, a passos miúdos, um grande percurso. Ela aponta o aumento do número de matrículas na rede regular como um ponto positivo. “Se os alunos estão lá, é porque uma mudança está acontecendo”, entende. Saltam na frente as escolas municipais. Sozinhas, elas acumularam 346.299 matrículas em 2009 – 62% do total nas escolas regulares. Isso acontece porque, na visão de Cláudia, as ações são mais efetivas do que nas redes estaduais de ensino. Além disso, as prefeituras têm mais facilidade para trabalhar com recursos financeiros e humanos, sem falar na própria diferença na remuneração dos professores.

Até que se chegue a uma educação totalmente inclusiva, Cláudia reconhece que o sistema ainda prescinde de muitos investimentos na área. Com sua visão de mãe, Simone mantém o mesmo posicionamento. “O número de crianças ditas normais é maior, mas os especiais também são obrigação do governo”, enfatiza. Enquanto isso, Lucca ainda tem três anos no ensino fundamental. Quando o filho estiver assistindo à primeira aula do 9º ano, Simone já saberá que rotina seguir. “Ensino médio? Não me pergunte… vou ter que ir à caça”.

Fonte: Terra

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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