Educação Inclusiva

Populações discriminadas continuam sem acesso à educação

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Populações discriminadas continuam sem acesso à educação, diz relator da ONU

Os indígenas, as pessoas com deficiência e os afrodescendentes são historicamente discriminados e continuam sem acesso à educação plena.

O alerta foi feito pelo relator especial das Nações Unidas sobre o direito à educação, Vernor Muñoz (Imagem ao lado). Para o costarriquenho, a discriminação que essas populações sofrem é um dos mais graves obstáculos da América Latina e Caribe.

De acordo com a Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação (Clade), apenas entre 20% e 30% das crianças latino-americanas com deficiência frequentam a escola. Na Colômbia, de cada 100 jovens afrodescendentes que terminam o ensino médio, somente dois têm acesso ao ensino superior. Já entre as pessoas adultas indígenas no Peru, 21% são analfabetas.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, o relator das Nações Unidas disse que é urgente investir em maiores ações afirmativas, que ainda são vistas como privilégio e não como direito.

Portal Aprendiz – Quais os principais problemas que podem ser ressaltados com relação à discriminação nas escolas na América Latina hoje?

Vernor Muñoz – As comunidades que foram historicamente discriminadas continuam sem ter acesso à educação e aos sistemas regulares de ensino. Falo das comunidades indígenas, das minorias afrodescendentes e das pessoas com deficiência. Há também problemas no conteúdo da educação, porque grande parte do currículo escolar não obedece às características dessas culturas, não considera as diferentes línguas, nem se adapta às necessidades específicas dessas pessoas e comunidades. A discriminação tem origem na desigualdade, que por sua vez, está arraigada no patriarcalismo. Ainda existe a falsa crença de que alguns têm mais direitos que outros.

Aprendiz – As escolas latino-americanas têm enfrentado o problema? Como?
Muñoz – As escolas seguem com sistemas educativos que não recorrem a uma prática intercultural. Os avanços nos processos de escolarização são incertos, com processos de inclusão precários, que não respondem às necessidades das famílias latino-americanas e que negam financiamento à educação para elas. Existe uma realidade esquizofrênica: na prática são ignorados princípios acordados sobre direitos humanos. Os órgãos políticos não fazem nada para mudanças nas instituições e nem de quem participa delas.

Aprendiz – Mas há projetos sendo feitos contra a discriminação? Algum poderia ser destacado?
Muñoz – Sim. Posso citar, por exemplo, as universidades interculturais indígenas do México, que formam um sistema que não tem como fim unicamente atender à formação das populações indígenas, mas também de construir um conhecimento que recorra aos valores ancestrais dos povos do país. Há vontade de adotar medidas desse tipo em outros países da área, mas ainda não foram instaladas políticas públicas consistentes nesse sentido.

Aprendiz – O que poderia dizer sobre o modelo de educação da América Latina? Está relacionado com a discriminação?
Muñoz – Trata-se de modelos educativos que têm uma clara aversão à diversidade. São profundamente homogeneizantes, negam muitas culturas, etnias e também as características socioculturais de nossos jovens e crianças. Esta é uma tendência que não parece que será modificada tão cedo, o que vai continuar a trazer um efeito negativo na constituição das cidadanias.

Aprendiz – Como avalia a questão da discriminação mais especificamente no Brasil?
Muñoz – As três principais populações discriminadas que citei merecem atenção cada vez mais urgente no Brasil. Os primeiros são os indígenas, depois as comunidades afrodescendentes. Temos dados concretos do Pnad 2008 que dos 10% de analfabetos entre pessoas com 15 anos ou mais, 6,2% são brancos e 27% são negros. Isso é um claro indicador de até onde os direitos pela igualdade e respeito devem atender com maior profundidade no país. O outro caso são as pessoas com deficiência, que seguem à margem da inclusão dos sistemas educativos regulares. A questão da discriminação ainda é muito invisível no país.

Aprendiz – O que deve ser mudado para atenuar ou superar a discriminação?
Muñoz – Acho que é urgente investir em maiores ações afirmativas, que ainda são vistas como privilégio e não como direito. São necessárias políticas públicas determinadas especificamente para combater a discriminação para dar condições tanto de acesso quanto de permanência nas escolas.

É preciso começar a fazer algo agora, pois os efeitos serão percebidos apenas a longo prazo, será constatado quando o aluno transcorrer todo o trajeto escolar.

Como obrigar uma pessoa a aprender em um idioma que não é o seu? O sistema de educação deve ser mudado. É preciso abarcar uma série de organizações sociais e políticas. A educação não pode ter seus problemas resolvidos, se os políticos não querem resolver.

Aprendiz – Para a integração de populações minoritárias, como os imigrantes e indígenas, seria necessária uma política de inclusão no sistema regular ou deveriam ser construídas escolas especiais para essas populações?
Muñoz – Nas comunidades onde há concentração de muitas culturas é preciso uma inclusão no sistema regular. As oportunidades educativas devem ser iguais para todos e todas, mas uma educação que responda às especificidades culturais das pessoas. Mas, nos casos das comunidades em que a composição é majoritariamente indígena, por exemplo, deve ser oferecido um tipo de educação mais significativo para essa cultura. No entanto, que permita conhecer, valorizar e identificar as outras culturas que existam no país. É preciso haver, então, um processo de combinação entre os dois sistemas.

Aprendiz – De quem é a responsabilidade dessa articulação?
Muñoz – O principal é o Estado, sem nenhuma dúvida. Claro que a realização dos direitos humanos também é de responsabilidade de todos, mas o principal obrigado para oferecer as condições de financiamento, contratar docentes, preparar livros e materiais, construir escolas e dar alimentação é o Estado.

Aprendiz – Como a ONU tem atuado frente à questão?
Muñoz – A ONU é um conjunto de organizações e agências. Algumas têm mais competências educativas que outras. A Unesco é a organização para a educação. Lamentavelmente, a educação tem sofrido um processo de mercantilização muito forte, esse utilitarismo tem negado um conhecimento humanista.

Por isso, a Unesco, Unicef e Pnud seguem fazendo uma série de recomendações para avançar com a concepção de educação como um direito humano, uma tendência que devemos apoiar e desenvolver.

Edição: Prof. Christian Messias
Fonte: Portal Aprendiz, 10/05/2010
Referência: http://www.inclusive.org.br/

Acesse aqui e veja outras matérias sobre educação e a pessoa com deficiência.

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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