Recurso administrativo em concurso público
Caro leitor,
Devido ao grande número de candidatos que recorrem a justiça em virtude de falhas na formulação ou organização de exames e muitas vezes na exclusão de PcD da lista de classificação ou nomeação, estou postando hoje, o texto redigido por Eliziongerber de Freitas, atendente administrativo do TJPE, bacharel em Direito pela Unicap, que explica detalhadamente o que é um recurso administrativo.
O texto abaixo, foi extraído do site Jus Navigandi .
A investidura em cargos ou empregos públicos, conforme dispõe a Constituição Federal, depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego na forma prevista em lei.
O concurso público é meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei.
Na realização do concurso público, está a Administração Pública jungida aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo, portanto, o edital ou regulamento do concurso observar tais princípios, especialmente o princípio da publicidade e da legalidade.
Pela obediência ao princípio da publicidade se dar conhecimento do concurso público, concretizando-se este princípio com a publicação do Edital no Diário Oficial, impondo transparência na atividade administrativa exatamente para que os administrados possam conferir se está sendo bem ou mal conduzido.
Quanto ao princípio da legalidade impõe-se a Administração Pública uma limitação na confecção do edital do concurso, pois, está ela vinculada a lei, ao contrário do que acontece na atividade privada, pois nesta pode-se fazer tudo o que não é proibido, enquanto na atividade administrativa só se pode fazer o que é permitido em lei.
No Estado de Direito a Administração só pode agir em obediência à lei. Neste caso todo edital de concurso público deve observar os mandamentos constitucionais sob pena ser declarado nulo.
É esse o entendimento, tendo em vista que vivemos numa sociedade onde as normas jurídicas não têm existência própria, mas a tem quando fundada numa subordinação a Lei Maior.
Não é outro o ensinamento do professor Celso Antônio Bandeira de Mello quando assim se expressa: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.
Diante da lição do citado mestre surge duas importantes questões. Pode o Edital do Concurso Público negar a existência do recurso administrativo? É constitucional o Edital ou Regulamento que assim procede?
A resposta é negativa, pois a Constituição Federal garante no seu artigo 5º, inciso XXXIII – ” todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Afirma, ainda, o inciso XXXIV do já citado artigo 5º da CF/88 que “são assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a)o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b)a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
Como todo ato administrativo é passível de correção administrativa e, neste caso, não seria diferente com os atos praticados pelas bancas examinadoras de concursos públicos, mesmo aquelas constituídas no âmbito do Poder Judiciário, pois quando o mesmo realiza um concurso público está investido na função administrativa e não jurisdicional, entende-se que é possível recurso administrativo das decisões das bancas examinadoras.
O professor Hely Lopes Meirelles quando trata do assunto Concurso Público assim se expressa: ” como atos administrativos, os concursos públicos, devem ser realizados através de bancas examinadoras regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos dos quadros do funcionalismo ou não, e com recursos para órgãos superiores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis”.
Prática comum nos concursos públicos é a existência de cláusulas que vedam a apresentação de recurso administrativo, mais especificamente recursos para as bancas examinadoras, quando não, limitam-no apenas, para as questões objetivas.
São exatamente nas questões discursivas ou orais, quando o grau de valoração da notas é puramente subjetivas, que os editais tolhem o direito do candidato de verificar se o examinador, embora agindo discricionariamente quanto à valoração, agiu dentro do princípio da legalidade e da igualdade.
O Juiz Federal William Douglas lembra que “atualmente, nossa experiência com recursos administrativos tem sido negativa. Lamentavelmente, a Administração Pública Brasileira não assimilou seu dever de corrigir as falhas que naturalmente ocorre em tudo o que é obra humana. Por falta dessa sensibilidade, as respostas da Administração têm sido insuficientes, nebulosas e pouco convincentes.” Continua o Ilustre magistrado: ” ao tornar a via administrativa tantas vezes inócua, a própria administração incentiva a busca da última via restante e possível para a defesa do direito do candidato: a via judicial. Daí decorrem ônus e prejuízos que poderiam ser evitados e que acabam sendo suportado por toda a coletividade”.
A fundamentação do recurso está na falibilidade humana, desta forma quando o edital do concurso público não prevê recurso está implicitamente impondo ao candidato que a administração é infalível e, sabemos todos nós, que isso não é verdade.
A doutrina pátria, fundamentada na Constituição Federal e nos princípios da Administração Pública, reconhece o direito de se recorrer de todos os atos da administração que venham trazer prejuízo aos administrados. Assim é o que afirma Hely Lopes Meirelles: ” Os recursos administrativos são corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da administração”.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona: ” Recursos Administrativos são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do ato pela Administração Pública. Eles podem ter efeitos suspensivo ou devolutivo, este último é o normal de todos os recurso, independendo de norma legal, lhe devolve o exame da matéria à autoridade competente para decidir.
Por fim temos a lição do professor Celso Antônio Bandeira de Mello que defende a natureza constitucional do recurso administrativo, nestes termos: ” se alguém considera que uma competência administrativa foi utili
zada insatisfatoriamente ou injuridicamente e quer questioná-la nesta esfera (administrativa), pode valer-se de diferentes meios: pedidos de reconsideração, recurso hierárquico. Diz, ainda que: “o direito de recorrer administrativamente não pode ser recusado, visto que se trata de uma inerência ao princípio constitucional da ampla defesa, em conformidade com o art. 5º, LV da CF/88”.
Diante das afirmativas citadas e, amparado no Direito Constitucional Pátrio, vemos que deve ser admitido recurso administrativo, especificamente, pedido de revisão e reconsideração, para as bancas examinadoras de concursos públicos, independente, de haver norma editalícia que venha lhe dar suporte, por ser essencialmente direito individual do candidato, constitucionalmente protegido. Porém não é o que normalmente acontece. A regra geral é não preverem, os editais de concursos públicos, o direito dos candidatos recorrerem, quando muito, abrem apenas uma exceção para as questões puramente objetivas, limitando-se, apenas a anulações de algumas questões discordantes.
Existem, no entanto, alguns concursos que prezam em observar o princípio da legalidade diante do direito constitucional de se recorrer administrativamente. É de se citar como exemplos os concursos realizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Ministério Público Federal que prevêem recursos de todas as suas fases.
Em relação ao primeiro concurso citado temos o Edital nº 1/99 – STF, de 23 de novembro de 1999, publicado no D.O Seção 3 de 24.11.99, que em seu item 14.8 diz que: “A forma de interposição de recursos contra o resultado provisório da prova discursiva e das provas práticas será disciplinadas em edital a ser oportunamente publicado no Diário Oficial.
Quanto ao segundo temos a Resolução nº 64, de 13 de novembro de 2001do Conselho Superior do Ministério Público Federal que regulamenta o Edital do 19º Concurso Público Para Provimento de Cargos de Procuradores da República, dispõe no seu artigo 55 – ” Caberá recurso à Comissão Examinadora do resultado pertinente a qualquer das etapas do concurso, no prazo de 5(cinco) dias, contados da publicação respectiva”.
Assim, vemos que a nossa Corte Superior, bem como o Ministério Público Federal andam observando os mandamentos constitucionais, o que deixa de ser observados por outros órgãos da Administração Pública.
Conclui-se, então, que qualquer edital de concurso público que não preveja recurso de suas fases ou que preveja-o, apenas de forma limitada as questões objetiva, fere frontalmente o direito constitucional de peticionar à administração pública a revisão de seus atos e, como conseqüência torna este edital inconstitucional, pois a inconstitucionalidade, neste caso, se dá por ação, visto que esta inconstitucionalidade ocorre com a produção do ato administrativo que contraria princípio da constituição.
Referência Bibliografica
MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 11ª Edição, Revista atualizada e ampliada- Editora. Malheiros.
Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 25ª Edição, atualizada por Eurco de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho – Editora 13ª Edição – Editora Atlas.
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 18ª Edição, Revista e Atualizada nos termos da Reforma Constitucional ( até a Emenda Constitucional nº 27 de 21.03.2000)- Editora Malheiros.
MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 5ª Edição, Revista, Ampliada e atualizada com a EC nº 19/98(Reforma Administrativa).
DOUGLAS, William – Como passa em provas e concursos – Editora Impetus.
Fonte: http://jus2.uol.com.br/
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