Rol da ANS: Afetará PcDs, doenças autoimunes, crônicas e raras
Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou que a cobertura dos planos de saúde se restrinja somente a procedimentos previstos em uma lista já definida. A decisão afeta diretamente pessoas com deficiência, doenças autoimunes, crônicas e raras. Na prática, significa que se antes um paciente precisasse de algum procedimento que não constava na lista, deveria recorrer à Justiça e, de maneira geral, magistrados entendiam que o rol era exemplificativo e dava ganho de causa ao recorrente. Entretanto, agora as empresas de planos de saúde, são obrigadas a cobrir apenas os procedimentos elencados pela ANS, que na avaliação de especialistas é considerada básica.
O rol da ANS com mais de 3,7 mil procedimentos vinha sendo considerado exemplificativo pela maior parte de decisões judiciais sobre o tema. Isso significa que os pacientes que tivessem procedimentos que não constassem na lista poderiam recorrer à Justiça para ampliar o atendimento.
Assim, procedimentos ou medicamentos que tivessem semelhança com os que já estavam previstos, eram adicionados à conta do plano de saúde. Com o novo entendimento do STJ, os convênios devem atender apenas à lista da agência, que já contém toda a obrigatoriedade de cobertura. Ou seja, o que está fora, não precisa ser pago pela operadora.
Segundo a especialista em direito civil Ana Luísa Araújo Machado, “em outras palavras, salvo em situações excepcionais, as operadoras não serão obrigadas a custear tratamentos médicos que não constem desta lista se nela existir alternativa igualmente eficaz, efetiva, segura e já incorporada”.
Machado explica que a regra admite exceções. “É o caso, por exemplo, de quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) sugere algum procedimento em específico ou nos casos de tratamento para câncer em que se utiliza medicação off-label, entre outros”, disse. Ana Luísa ressalta que a taxatividade do rol não significa que os planos de saúde só podem oferecer o que está previsto na lista. “As operadoras não têm, a partir de agora, obrigação em fornecer os procedimentos não previstos na lista, mas faz parte da liberalidade delas oferecer coberturas ampliadas ou negociar com os segurados aditivos contratuais”, afirmou.
A determinação do STJ, contudo, admite excepcionalidades. O ministro da Corte Villas Bôas Cueva ressaltou a possibilidade de concessão de excepcionalidades: cada consumidor, por termo aditivo no contrato do plano, pode requerer a ampliação da cobertura, caso deseje um tratamento específico — naturalmente os valores das mensalidades serão maiores.
Portanto, segundo Ana Luísa, apesar de a decisão dos ministros do STJ não ser absolutamente vinculante às instâncias inferiores, o resultado é um marco expressivo na regulação das operadoras e planos de saúde e tende a fazer com que, a partir de hoje, caminhe para corroborar com o entendimento da natureza taxativa do rol.
Prejudicial
Carlos Eduardo Gouvea, vice-presidente da Aliança Brasileira da Indústria inovadora em Saúde (ABIIS), aponta que o rol taxativo acabou afetando alguns setores que têm situações muito críticas. “Como, por exemplo, as doenças raras, que têm um caso para cada 10 mil, e que muitas vezes a terapia essencial para aquela determinada doença são ‘life saving’ e não constam no rol da ANS.”
De acordo com Gouvea, a situação acaba diminuindo o acesso a novas terapias e fica restrito ao que está pré-aprovado, dificultando inclusive questões judiciais. “Tínhamos muitos medicamentos que já eram aceitos mesmo que de forma judicializada”, pontuou.
Segundo Carlos Gouvea, o ponto principal é que o rol vai, de fato, restringir o acesso a produtos, diagnósticos, dispositivos ou medicamentos que não estão aprovados de forma oficial, que atendem a pessoas especiais que vão ser prejudicadas. “E aquele paciente que tem mutação genética e que por um diagnóstico não vai ser responsivo ao tratamento já aprovado? O rol exemplificativo daquele medicamento serve para todos que precisam de terapias diferenciadas. Com o rol, o medicamento pode não fazer efeito nenhum porque precisa ser mais específico do que aquele já está disponível”, afirmou o vice-presidente da ABIIS.
O advogado Nauê Bernardo Pinheiro, especialista em direito constitucional, disse que a decisão do STJ acaba trazendo algumas questões para reflexão. “Por exemplo, não será preciso que a agência reguladora tenha maior agilidade na atualização do rol mínimo de procedimentos?”, questionou. “Além disso, diante dessa decisão do STJ e dos sucessivos aumentos em valores de planos de saúde, não teremos repercussão sobre a saúde pública? Afinal de contas, a saúde suplementar absorve parte importante da demanda no setor no país, e agora a cobertura, em tese, ficará mais restrita”, pontuou.
Entenda o caso
Fim da divergência
A determinação do STJ encerrou a divergência jurisprudencial que se estendia desde 2019. Naquele ano, o ministro Luis Felipe Salomão inaugurou a controvérsia ao afirmar que o rol é meramente exemplificativo. A ANS já considera a natureza taxativa do rol desde a elaboração da última resolução normativa, em julho do ano passado. Em contrapartida, a jurisprudência majoritária entendia o rol meramente exemplificativo. Na prática, o julgamento precisava decidir se o rol deveria ser taxativo, oferecendo e limitando a lista de procedimentos obrigatórios, ou exemplificativo, servindo como uma referência mínima de serviços a serem oferecidos pelos planos de saúde. Por seis votos a três, a 2ª Seção do STJ determinou que o rol é taxativo, mantendo a obrigatoriedade de atendimento para os casos previstos na lista da ANS, mas com critério, abrindo a possibilidade de análise das exceções. O rol da ANS compreende todas as doenças previstas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Tira-dúvidas
Como comprovar a eficácia de outro tratamento?
Os caminhos ainda precisam ser melhor esclarecidos. Mas, geralmente, a comprovação é feita pelo próprio fabricante ou sociedade médica quando tem uma nova tecnologia, tratamento ou medicamento. Eles submetem-se à ANS, com todas as exigências e trâmites especificados pela agência. O prazo para o aval pode durar de seis meses a dois anos. O grande problema é que, na maioria das vezes, o fabricante não está no Brasil ou não há interesse comercial para tratamentos de doenças que têm pouca frequência na população e uma oferta menor no mercado nacional.
O que o cidadão pode fazer ?
A ANS tem aberto canais para o cidadão, pelo próprio site da agência, clicando no “espaço do consumidor” (que pode ser acessado pelo endereço eletrônico: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/consumidor). Nesse espaço, o cidadão pode consultar a cobertura específica e denunciar caso o plano não esteja cumprindo a regra. É possível fazer a reclamação diretamente à agência, que deve notificar as operadoras sobre a reclamação e fazer uma devolutiva ao cidadão. A pessoa também pode enviar a proposta para a operadora com a previsão da ANS. Caso não haja manifestação de nenhum dos envolvidos, a saída é judicializar. O paciente ou cidadão deve comprovar que sua situação entra no rol de exceções. A ação é movida contra a operadora.
Quais pontos se deve ficar de olho?
É preciso observar a própria situação e necessidade de atendimento e se consta ou não no rol. É importante também questionar se a operadora de fato está atualizada com a lista mais recente da ANS, caso perceba algum tipo de desvinculação com o rol atual deve-se imediatamente fazer a reclamação na própria operadora e na ANS. Você pode conferir a lista da ANS pelo site da agência na aba de “espaço do consumidor” e “o que o seu plano deve cobrir”.
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/