Entrevistas

Scott Rains: um americano com jeito brasileiro que luta pela inclusão

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Scott RainsCaro leitor,

O entrevistado desse mês pelo Blog Deficiente Ciente é o norte americano Scott Rains. Scott mora na Califórnia, é casado,  especialista em Turismo Inclusivo e apaixonado pelo Brasil.  Sua relação com o Brasil vem de longa data.  Acompanhe a entrevista:

Deficiente Ciente: Como se tornou uma pessoa com deficiência?

Scott Rains: Com 12 anos comecei a sentir fraqueza na mão esquerda, isso progrediu até o braço. Com 16 anos os médicos descobriram um tumor na coluna dorsal. Minha condição piorou, e aos 17 anos pediram permissão para fazer uma biópsia, com a intenção de um possível tratamento. No entanto, isso paralisou meu corpo. Hoje sou tetraplégico.

D. C.:  Por que se interessou em trabalhar com Turismo Inclusivo? Há quanto tempo está nessa área?

S. R.: Há dez anos trabalho com Turismo Inclusivo, especificamente porque há 40 anos viajo como cadeirante e estudante de intercâmbio na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e na USP (Universidade de São Paulo). Fiquei muito interessado neste campo, depois de uma viagem de aniversário de casamento com minha esposa Patrícia. Decidimos que este trabalho seria um investimento no nosso futuro e aposentadoria. A ideia foi investigar lugares interessantes e informar a população interessada sobre a questão da acessibilidade e inclusão. Temos lugares prediletos, como por exemplo, o Brasil. Estaremos de volta ao Brasil pela oitava vez.

D.C.: Qual é a diferença entre Turismo Adaptado e Turismo Inclusivo? E qual a importância do Turismo Inclusivo?

S.R.: Há uma distinção entre os dois. Algo “adaptado” significa que não serve para todos. Adaptar este produto e indicar quem é o cliente, a quem pertence ou não, é estigmatizar. Uma criança não é igual a um adolescente, um adulto ou um idoso. Cada pessoa passa por diferentes etapas.
O turismo inclusivo depende da pessoa e perspectiva. Do ponto de vista social é criado um legado acessível na arquitetura e inclusive nas relações humanas que permita a participação total do cidadão, tanto no turismo doméstico como no turismo internacional. Falamos em cidadania e não apenas em deficiência. Da perspectiva pessoal, ampliar às possibilidades de conseguir um emprego, trabalhar e ter direito a escolher uma viagem para suas férias. Uma coisa leva à outra.

D.C. Você fez o 1ª workshop, no Brasil, sobre Desenho Universal em turismo. Por que é tão importante o Desenho Universal, no que diz respeito à questão do turismo?

S.R.: Antes de tudo, o Desenho Universal inclui toda a sociedade. Portanto, ele é inclusivo. O alvo é criar espaços, produtos, práticas e normas que servem para todas as pessoas, na maior extensão possível, sem necessidade de adaptação ou desenho especializado. Desenho universal é uma referência que orienta o processo de desenhar um lugar, um produto, ou uma sociedade.

Temos construído ônibus que não são acessíveis para cegos e cadeirantes, quartos de hotéis onde não há telefone que converte voz em texto para surdos, onde não há rampas e elevadores especiais que dão acesso aos quartos e às áreas de acomodação, piscinas, das quais um hóspede cadeirante não pode sair, porque não tem barra para a locomoção na água. O Desenho Universal tem uma visão mais ampla do usuário, constrói para o ser humano algo real, não um ideal aperfeiçoado.

D.C.: Como você vê a questão da acessibilidade arquitetônica nos Estados Unidos e no Brasil?

S.R.: No Brasil temos muitos especialistas na questão de acessibilidade arquitetônica, como por exemplo: Veronica Camisão do Rio de Janeiro, Marcelo Guimarães da UFMG, Regina Cohen da UFRJ, Silvana Cambiaghi em São Paulo e muitos mais. Nos EUA, cada Estado tem normas de acessibilidade baseadas na Americans with Disabilities Act. Hoje ouvi falar da falta de lugares para cadeirantes nos trens AMTRAK, no estado de Illinois. Fiscalizar é uma tarefa contínua.

Scott Rains faz carinho em um Guepardo num safari na África do Sul
Scott Rains faz carinho em um Guepardo num safari na África do Sul

D.C.: Como consultor em turismo você conheceu muitos países. Em sua opinião, qual é o país mais acessível e o menos acessível para pessoas com deficiência, dentre os que você visitou?

S.R.: Esta é uma questão impossível de responder. Não espero o mesmo nível de acessibilidade arquitetônica em Senegal ou Nepal, como a que tem no Japão e Inglaterra. No Equador e na Tailândia, encontrei um povo bem disposto a contribuir nessa questão, muito mais do que na França ou na Rússia.
Nesse momento o mundo inteiro está pensando em acessibilidade. Por exemplo, a República Democrática da Geórgia, Mongólia e Malásia pretendem lançar o turismo inclusivo em seus países. Ou seja, após a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU, há uma preocupação mundial, no sentido de assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso aos serviços prestados por pessoas envolvidas na organização de atividades turísticas.

D.C: Em relação ao país menos acessível, o que você acredita que poderia ser feito?

S.R.: Educar é fundamental. Implementar a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência nas leis, fiscalizar projetos e manter a infraestrutura são essenciais. As empresas deveriam cumprir as normas do país em relação ao mercado de trabalho, contratando pessoas com deficiência, ou seja, incluindo todos.
O segredo de implantar Turismo Acessível, é que são os turistas com deficiência e os que viajam com eles, que pagam os investimentos destinados à acessibilidade e destinos turísticos.

D.C.: Em 2014, no Brasil, teremos a Copa do Mundo e em 2016 as Olímpiadas e as Paralímpiadas. No que se refere à acessibilidade, você acha que o Brasil está preparado para esses grandiosos eventos?

S.R.: Não, o Brasil não está preparado. Corre-se o risco de um fracasso. Um exemplo bem simples aconteceu numa das cidades-sedes da Copa de 2014, durante a 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em Brasília, onde houve falta de quartos acessíveis nos hotéis. Outro exemplo é a pesquisa detalhada da engenheira Lígia Gesteira Coelho, sobre a acessibilidade nos aeroportos de São Paulo (Congonhas, Guarulhos e Viracopos), no Rio de Janeiro (Galeão e Santos Dumont), e em Brasília, Juscelino Kubitschek. Foi observado que estes aeroportos não estão prontos para a Copa do Mundo, Olímpiadas e Paralímpiadas.
É bom lembrar que pessoas com deficiência decidem onde vão viajar, através de recomendações de outras pessoas com deficiência.
A Copa do Mundo pode ser um aviso para investir nesse mercado.
Há também outros problemas como a falta de infraestrutura acessível, transporte adaptado… E por não “enxergar” o idoso, cegos, surdo, anão ou cadeirante como cliente e consumidor, não existem produtos turísticos inclusivos no Brasil. Quando falo sobre “produtos turísticos”, me refiro ao guia turístico que conhece a Língua de Sinais (LIBRAS), ao transporte adaptado para cadeirantes, e por aí vai… Vale lembrar que a cidade do Rio de Janeiro receberá em 2016, milhares de atletas e espectadores com deficiência.

D.C: O professor Edward Wilson, da Universidade de Harvard, afirmou que “o processo evolutivo é mais bem-sucedido em sociedades nas quais os indivíduos colaboram uns com os outros para um objetivo comum. Assim, grupos de pessoas, empresas e até países que agem pensando em benefício dos outros e de forma coletiva alcançam mais sucesso.” Qual sua reflexão a respeito dessa afirmativa?

S.R.: Concordo. Eu posso fazer críticas a respeito do Brasil, porque vi este país crescer neste aspecto, desde a minha primeira visita em 1971, antes de estar paralisado, e voltei a estudar na USP, apenas três anos depois de me tornar cadeirante.
O povo brasileiro e a cultura brasileira têm condições de introduzir no mundo inteiro uma nova visão do que significa ser plenamente humano, com todas as nossas diferenças e deficiências. Todo mundo reconhece uma “brasilidade”, em como um (a) brasileiro (a) se veste.
Acredito que nestes anos que antecedem os Jogos do Rio 2016, este patrimônio cultural, dará sua contribuição mais importante, no sentido de humanizar a sociedade mundialmente.

D.C.: Segundo a Revista americana MarketAbility, há cerca de 21 milhões de americanos com deficiência que gastam US$13.6 bilhões de dólares, anualmente, em hotéis, restaurantes e viagens aéreas. Conte-nos sobre essa realidade de consumo das PcD americanas.

S.R.: Segundo o censo de 2010, são 56,7 milhões de americanos com deficiência. Sem contar que a população americana está envelhecendo, isso significa que mais pessoas necessitarão de acessibilidade no turismo. O valor de US$13,6 bilhões de dólares foi descoberto através de nossos estudos de 2002 e 2005, com mais ou menos 48 milhões de americanos. Em nosso país há um mercado forte, consciente e em crescimento.
Se o Brasil quiser se tornar um país de turismo de 1º mundo, precisa lembrar que americanos consumidores com deficiência, estão acostumados a um nível de serviço e aceitação que a pessoa com deficiência brasileira não imagina. Se a sociedade brasileira e o Ministério do Turismo trabalhar e investir em campanhas educativas e estratégias de conscientização, acredito que isso beneficiará um grande número de turistas. O nível de serviço turístico vai melhorar sob a influência deste grupo de visitantes.

Scott Rains na Cachoeira da Toca, Ilhabela, SP
Scott Rains na Cachoeira da Toca, Ilhabela, SP

D.C.: Atualmente em qual (ais) projeto(s) está envolvido?

S.R.: Estou envolvido na formação de uma nova associação mundial, provendo Turismo Inclusivo, que vamos lançar no congresso “Destinos Para Todos em Montreal”, em outubro de 2014. Estamos escrevendo um manual para a implantação e gestão de Turismo Inclusivo na República da Geórgia, criando uma nova secretaria sobre transporte e acessibilidade na Disabled People’s International. Estamos promovendo normas hoteleiras que integram o Desenho Universal e o meio ambiente no Sul da África, e apoiando um site especializado em proporcionar fotos de pessoas com deficiência para marketing. Temos também vários projetos no Brasil, que iremos revelar na Feira Reatech, em São Paulo.

D.C.: Quais são seus planos para o futuro?

S.R.: Em junho darei palestras em Foz do Iguaçu, e aproveitarei para me divertir com jovens amigos, do Programa da Angela Ferreira Fashion Inclusivo.
Pretendo ver alguns jogos da Copa Confederações. E se Deus quiser vou passar por Mossoró, ver alunos que estão estudando sobre deficiência. E também, viajar pelo Maranhão, para curtir os Lençóis Maranhenses com bons amigos.

D.C.: Notamos que nas Redes Sociais, especialmente no Facebook, você é uma pessoa muito querida pelo povo brasileiro. O que você tem a dizer a respeito disso?

S.R.: O que dizer? O Brasil vale. O povo Brasileiro é legal. Me fez muito bem as amizades dos últimos 40 anos que fiz com brasileiros.

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Scott Rains mantém o site Rolling Rains Report. Ele apresentará um projeto na Feira Reatech, no dia 18/04, em São Paulo, onde pretende criar redes estratégicas e uma série de recursos que permitirão aos viajantes com deficiência viajar por todo o Brasil. No entanto, ele precisa de contribuições para o custo da passagem aérea e do hotel. Vale lembrar que os Jogos Paralímpicos e Olímpicos de 2016 e a Copa do Mundo de 2014 serão no Brasil.

Veja como você pode ajudá-lo: http://www.rollingrains.com/2013/04/with-a-little-help-from-my-frieds.html

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

12 comentários sobre “Scott Rains: um americano com jeito brasileiro que luta pela inclusão

  • OLÁ, SCOTT RAINS.

    NÓS BRASILEIROS COM DEFICIÊNCIA JÁ TE ADOTAMOS, TANTO NAS REDES SOCIAIS, COMO NOS MOVIMENTOS AQUI NO BRASIL.
    VOCÊ NOS ENCHE DE ORGULHO E NOS DAR FORÇA PARA CONTINUARMOS LUTANDO.

    VALEU AMIGO.

    Resposta
  • Scott Rains é um exemplo de superação, sempre na luta pela igualdade.Ele foca em todos os tipos de deficiência,mostrando que somos todos iguais,sempre compartilha,apoia,a força dele fortalece muitas pessoas em busca dos seus direitos.Esse homem é um ser humano verdadeiro,lutador,guerreiro.Parabéns Scott que sua luta seja reconhecida cada dia mais porque é muito preciosa,valiosa,verdadeira.Gicelia!!

    Resposta
    • Gicelia,

      Que palavras lindas sobre mim amiga! Obrigada.

      Pois, e por causa de pessoas como vc que colabora livremente com todos como vc faz cada dia. Vc é exemplo e do que diz o professor Edward Wilson, da Universidade de Harvard: “O processo evolutivo é mais bem-sucedido em sociedades nas quais os indivíduos colaboram uns com os outros para um objetivo comum. Assim, grupos de pessoas, empresas e até países que agem pensando em benefício dos outros e de forma coletiva alcançam mais sucesso.”

      Scott

      Resposta
    • Ola Prof!

      Me faz bem receber estes parabéns do mestre de programas Praias Acessíveis.

      Obrigado pelo convite. Parece que vou conseguir o patrocínio para ir a ReaTech na semana que vem. Depois tenho palestras no Rio e Salvador depois uma consulta em Búzios e Rio das Ostras sobre o programa Praia Acessivel deles. Posso visitar vcs nos principios de maio?

      Scott

      Resposta
  • Parabéns Scott Rains! Sua entrevista é incrível e agradecemos o carinho e apoio que você dá aos amigos brasileiros.

    Resposta
    • Angela,

      Vc ja sabe que sou fã do seu trabalho na Fashion Inclusivo. Quando falei da importancia da promoção da cultura brasileira em todo o mundo eu estava pensando em seu trabalho maravilhoso com as crianças. Dê um grande abraço a seus jovens modelos!

      Seu amigo,

      Scott

      Resposta
  • Parabéns Scott!!! Achei essa entrevista muito legal!!! Sou sua fã!!!

    Resposta
  • Scott
    O povo brasileiro é legal, mas TU é TRI-LEGAL!
    Adorei a entrevista! Parabens para Scott e para a equipe do Blog!
    Concordo plenamento com Scott:
    Educar; conscientizar; unir: implanta; atualizar; fiscalizar = INLCUIR!
    Forte abraço!

    Resposta

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