Site Guia Inclusivo: A mídia e a pessoa com deficiência
Caro leitor,
O texto abaixo foi escrito pelo editor e repórter do site Guia Inclusivo, Luis Daniel. Trata-se de um texto muito pertinente, que diz respeito a dificuldade que os jornalistas brasileiros têm em utilizar a terminologia correta em suas matérias, quando o assunto é Deficiência.
A presença de pessoas com deficiência na mídia tem se tornado constante. Não há como negar que personagens de ficção tiveram seu papel importante para o tema se evidenciar. Isso também fez aumentar sensivelmente a quantidade de reportagens nos jornais, rádios, TVs e internet.
Calçadas esburacadas, falta de rampas, ônibus adaptados, qualificação profissional e lei de cotas para o mercado de trabalho são apenas alguns dos temas recorrentes. Entretanto, há aspectos que precisam ser observados nas redações quando vai se tratar do assunto.
Anos atrás, as pessoas com deficiência se evidenciavam por seus próprios méritos por conseguirem chegar à escola, conquistar um emprego e assim, se transformarem em grandes personagens de superação de seus limites. Atualmente, essa visão se modificou e é necessário que os meios de comunicação também reflitam essa mudança.
Aquela aura de coitado das imagens de TV ou dos textos de jornais precisa ser extirpada. Como jornalista, compreendo que pode ser difícil no começo, mas não impossível.
Uma das mudanças mais consideráveis neste sentido é sobre como se referir a quem tem deficiência. Bem antigamente, era muito comum se ouvir expressões como “aleijado”, “excepcional”, “mongoloide” entre outros. O tempo passou e elas foram praticamente abolidas do vocabulário.
Então, surgiram outras denominações para sutilmente substituí-las, como “pessoas portadoras de deficiência”, “portadores de necessidades especiais”, “deficiente” e outras denominações deste gênero.
Entretanto, elas também já não são mais bem aceitas, pois elas evidenciam a “deficiência”. Além de não fazerem sentido algum, como por exemplo, a palavra “portadores”. Quem porta algo pode, a qualquer tempo, não portar mais, e com a deficiência isso não acontece.
Outro exemplo é “necessidades especiais”. Um termo que surgiu para denominar quem tinha uma necessidade educacional especial que, com o tempo, passou a representar toda a gama de pessoas com deficiência, física, visual, auditiva ou intelectual.
Cada ser humano é único e cada um tem sua “necessidade especial” no dia a dia. Um pouco menos ou mais de açúcar, ter um carinho do namorado ou da namorada, entre outras necessidades que fazem a nossa vida ser única. Além dessas justificativas, essas expressões se tornaram carregadas de conotações pejorativas e preconceituosas.
Os movimentos mundiais das pessoas com deficiência, inclusive os do Brasil, assinaram a Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidades das Pessoas com Deficiência, aprovado pela Assembleia Geral da ONU, em 2006, e ratificada no Brasil em julho de 2008, entre vários outros aspectos, de que forma preferem ser chamados: Pessoa com Deficiência.
O objetivo é valorizar o ser humano e não sua condição permanente ou passageira e isso precisa ser levado em consideração quando se vai se contar uma história na reportagem, pois ajuda a levar para a sociedade estes mesmos conceitos.
Colocar alguém com deficiência como entrevistado é mais do que necessário, mas a condição dele não pode transformá-lo num herói, quando ele é apenas um ser humano com seus direitos e deveres como qualquer outro cidadão.
O bom-senso é um excelente caminho nesses momentos. Ponderar o motivo daquela pessoa com deficiência estar presente na reportagem, o que realmente é relevante, sem colocá-la em situações constrangedoras.
Entendo que ainda falta muito para que este segmento tenha as mesmas conquistas de outros movimentos sociais, porém, para se chegar lá, a mídia tem papel fundamental.
Luis Daniel é editor e repórter do site Guia Inclusivo, especializado na inclusão de pessoas com deficiência.
Veja:
Eu concordo perfeitamente que conforme o tempo passa, a terminologia vá se alterando. E realmente ela deve ser alterada pelo termo tornar-se “pejorativo”. No entanto, mesmo sendo mãe de uma criança com uma síndrome genética rara e atuante pelas causas dos deficientes de uma forma geral, ainda tenho dificuldade em nominar corretamente as diferentes facetas das deficiências. Concordo com a colocação de portador/não portador bem como a expressão necessidades especiais, mas neste sentido não consigo pensar em um termo melhor para definir a condição do meu filho. Acho que é uma questão de bom senso no uso da terminologia. Talvez daqui alguns anos, um paraplégico ou tetra devido a um acidente possa voltar a caminhar através da terapia com células-tronco. Neste caso ele era portador e deixou de sê-lo. meu filho sempre terá a síndrome genética, mas quem sabe não possam descobrir um modo de reverter os problemas decorrentes dela?
Necessidades especiais poderia ser transformada em necessidades diferenciadas? Ou necessidades específicas? É muito difícil tratar este assunto de forma a agradar gregos e troianos!
Já tive a oportunidade de ver uma cadeirante numa atitude extremamente agressiva ao ser chamada de portadora de necessidades especiais. Eu tb tenho problemas de locomoção, uso bengala e não me importo de ser chamada assim, desde que seja respeitada como pessoa. Com ou sem deficiência.
Vc tem um “guia de terminologias” que possa me passar?
Obrigada
Adriana
Primeiro, gostaria de dizer que foi uma honra em ter meu texto aqui no Deficiente ciente, muito obrigado mesmo!
Adriana, muito interessante seu comentário. Eu encaro como algo cultural, que se modifica com o tempo. Este artigo foi escrito para jornal de assuntos gerais, onde a dose precisa ser bem menor do que numa publicaçação mais direcionada.
Eu procuro disseminar essa cultura nos espaços que me cede, entretanto, reconheço ser bem complicado.
Obrigado
Luis,
Eu que agradeço… É um excelente texto!
Romeu Sassaki, consultor de inclusão social, diz que esses termos incorretos e equivocados foram reforçados e perpetuados ao longo do tempo. Ou seja, para que haja uma mudança tudo deve ser feito em doses homeopáticas, conforme a explicação de Luis Daniel.
Gostei muito do seu comentário, Adriana!
Veja esse link sobre as terminologias: http://bit.ly/g401ZN
Luis Daniel, parabéns pelo texto. Entrei no site do Guia Inclusivo e achei maravilhoso o material que vocês postam. Encontrei outro texto que tem a ver com esse contexto, leiam e vejam como este problema não pode ser deixado de lado. Segue link:
http://www.guiainclusivo.com.br/2011/04/debate-discute-funcao-da-midia-na-inclusao-das-pessoas-deficiencia/
Abraços
Paulo Cesar
Olá, Paulo, muito obrigado pelas palavras. Realmente, muito do que escrevi foi discutido nesse debate na reatech, onde eu também estava. E continue nos visitando, será sempre bem-vindo.
É compreensível que jornalistas e políticos ainda se confundam porque documentos oficiais usam terminologia considerada ultrapassada.
Um alerta especial para referir-se aos surdos
1) ainda há gente que usa o termo surdo-mudo que é uma imprecisão porque aparelho auditivo e aparelho fonador são independentes, muitos surdos de nascimento não falam porque não aprenderam a falar, por não ouvir e/ou por não ter tratamento especializado. Nãa falam mas poderiam falar.
2) considerar que todo surdo usa lingua de sinais também não é correto porque muitos surdos perderam a audição depois de aprender a falar e mantiveram a fala, outros os chamado oralizados passaram por aprendizado especial e falam. Há os que usam aparelhos auditivos, os que receberam implantes, etc.
É um erro grave dizer que alguém é surdo-mudo e que todo surdo só se comunica na língua de sinais.
Concordo, querida! Mas como eu disse a Adriana, é preciso disseminar essa cultura em doses terapêuticas quando se trata de mídia geral, (o alvo principal do artigo).
Abraços