Subestimado pela deficiência intelectual, casal mostra o quanto é capaz pelo filho
Uma história de alegria, tristeza, luta e vitória. Vencer foi, na sensação dos pais, ter Emanuel nos braços.
Por Paula Maciulevicius
Um bebê que completará 5 meses é a prova do quanto Jhenny e Welton são capazes. O casal se conheceu na Apae – rede de atendimento à pessoa com deficiência – porque têm uma leve deficiência mental.
Juntos, os dois já somam 10 anos entre namorar e “amigar”. Casar mesmo, eles foram impedidos.
Jhenny tem 28 anos, Welson, 26. Ela trabalha há sete como vendedora de loja de departamento no Shopping Campo Grande, ele é estoquista. Nascida em Campo Grande, Jhenny só foi falar aos 4 anos, depois de começar a ser acompanhada na Apae. Welson é carioca, veio morar com o tio no Estado e foi encaminhado para a Apae após uma breve passagem pela Pestalozzi.
Apresentados por uma amiga, eles dizem que a história é longa. Foi a primeira entrevista do casal na residência onde moram, junto da mãe de Jhenny. “Eu gostei dele, não esqueci dele e desse dia. Contei um pouco da minha vida para ele e nós só ficamos por brincadeira. Depois foi: ‘vamos namorar sério para valer?’ Então vamos, nós casamos e ficamos juntos para o resto da vida”, resume Jhenny da Silva Lopes.
“Quando a gente começou a se conhecer foi muita reviravolta. Teve choro, lágrimas, um pouco de atrapalhar”, descreve Welton Cardoso. “Mas mesmo assim eu peguei e fui em frente”, completa. Os meninos não tinham nem 18 anos quando engataram o namoro com direito a pedido para os pais dela. “No dia, eu vim à noite aqui para pedir para a mãe dela. Eu tinha matado aula com ela, trouxe, deixei ela aqui e pedi a mão dela. Deu aquele frio, mas eu pedi”, conta ele. Jhenny interrompe para dizer “e valeu à pena”.
Os dois sabem da deficiência que tem e também percebem o quanto ela fica pequena perto do preconceito. “Eu gosto de ir na Apae porque eu tenho um problema, tem coisa que eu esqueço, entendeu? Eu não conseguia acompanhar os alunos na escola”, explica Jhenny sobre a deficiência.
Na vez de Welton, o estoquista descreve que tem mentalidade lenta. “É um raciocínio lento para algumas coisas, assim, eu não consigo rápido, é meio que um pouco difícil”.
De início, o namoro dos dois não tinha a aprovação do tio de Welson. Não por preconceito, mas porque a família dele dizia que Jhenny não tinha futuro. “Ela não tinha estudo, ele falava: vocês não vão ficar junto'”, repete Welton. Situação já superada hoje, mas que à época separou o casal.
Quando resolveram se casar, alguns anos atrás, foram barrados na Justiça Itinerante. Vestidos de noivos, com testemunhas e a festa pronta em casa – um churrasco – eles ouviram que não poderiam.
“A mulher falou que não podia casar porque nós era especial. E foi a hora que veio uma decepção pra mim. Eu estava feliz, pensa? Você pronto para casar, vestido de terno, ir na Itinerante e falar que tu não pode porque é especial?” conta o marido.
Foi ali que ele desistiu. Em casa, Jhenny deu para a mãe todos os presentes que havia ganhado, por achar que como não teve casamento no papel, ela não se sentia noiva e não merecia os presentes. “Peguei tudo as coisas, as louças e falei fica tudo para a senhora, porque eu vou ficar com isso? Minha mãe disse: papel não importa, importa é que você é feliz'”, recorda Jhenny.
Depois do “não”, falar sobre o assunto traz à tona lágrimas. “Meu medo é de chegar lá e não dar certo de novo, porque aquilo me humilhou. Muitas vezes as pessoas julgam a gente por fora, pela deficiência, mas não vê por dentro tudo o que a gente é capaz para fazer”, desabafa Welton. A esposa, só concorda.
Capaz de muitas coisas, inclusive de criar um filho é pelo simples do dia a dia que eles escolhem enumerar. “Eu não sabia cozinhar, mas agora até invento e fica gostoso”, se gaba Jhenny. O marido completa que às vezes até se surpreende no fogão, especialmente com o bolinho de arroz que ele tanto ama, e ela prepara com carinho.
Os dois têm os olhos da mãe de Jhenny o tempo todo, em casa. E a filha sabe o quanto isso é importante. “Ela me ajuda em tudo, é meu porto seguro, sem ela eu não vivo”, reconhece. O papel de avó se tornou fundamental. Emanuel nasceu em março, de parto normal, teve de ir para o oxigênio assim que saiu, por ter engolido líquido amniótico. Ficou internado dias no CTI e as notícias, para se ter uma noção, eram dadas a terceiros.
“A madrinha dele acompanhou também o nascimento dele e quando chegou o dia, quem mais recebia notícias era ela. Eles viam o pai perto e não falavam, diziam: ‘fala pra ele’. As pessoas às vezes compara a gente pela nossa deficiência”, narra.
Em casa, os dois têm tanto cuidado para com o pequeno que qualquer babinha que comece a formar na boquinha, antes de cair é limpa com o pano de boca. O cheirinho de bebê também revela o afeto com que é tratado.
Quando nasceu, o receio dos dois era de que Emanuel também tivesse uma leve deficiência. Mas até então, nada fora diagnosticado.
“É isso, nós somos capaz de muita, muita coisa. Ele é a benção de Deus, eu falo que é a minha alegria, meu xodózinho e às vezes, quando dá uma coisa de pensar em coisas negativas, do passado e que vão me fazer chorar, eu já vejo ele e penso na alegria”, ressalta Welton.
O que o casal mais tem de capacidade é amor para dar. “Sabe que esses dias eu vi numa reportagem, eu assisto porque é bom pra mim, ensina algumas coisas, que quando a gente cai no fundo do poço, tem uma mola lá que tira a gente para cima de novo. Eu aprendi que se falam que você não consegue fazer, deixa falar, não dá confiança e segue a sua vida”, ensina Welton.
“Eu dou conselho pra ele, ele dá pra mim. Eu digo que cada degrau que você sobe para cima, vai conseguir muito mais”, encerra a esposa.
Essa pauta é uma sugestão de Felipe Zampieri, da Apae.
Fonte:http://www.campograndenews.com.br/lado