Após o acidente, o retorno à sociedade
Quando recebi alta do hospital, senti um misto de emoções. Fiquei feliz e aliviada porque finalmente iria para casa, mas triste porque tinha feito muitos amigos e o nosso contato não seria como antes. Havia ainda outro motivo que me deixava intrigada e ansiosa – ficava imaginando como seria recebida pelas pessoas fora do hospital. O hospital naquele momento era minha referência. Ali fiz muitas amizades e todas as pessoas sabiam sobre minha deficiência e como lidar com ela.
Um turbilhão de pensamentos negativos tomaram conta da minha mente. E pensava, por várias vezes, como seria minha vida fora do hospital e como seria tratada pelas pessoas. Sentia-me desprotegida, insegura e ansiosa.
Lembro-me de um trecho de um livro, do qual não me recordo o título, que dizia: “A ansiedade é uma perturbação de espírito causada pela incerteza e pelo receio. Ela é caracterizada pelo sentimento de insegurança, e o desconforto interior que ela provoca é muito grande”.
Já do lado de fora do hospital, minha mãe e eu nos despedimos de todas aquelas pessoas que haviam me tratado com tanto carinho, que me fizeram sorrir por diversas vezes e que continuamente me encorajaram. Senti uma imensa tristeza e comecei a chorar… Talvez no meu íntimo já soubesse que teria grandes desafios pela frente.
Quando cheguei em casa, fui muito bem recebida pelos meus familiares e amigos. Isto me tranquilizou muito, entretanto, devido à proximidade do início das aulas o sentimento de insegurança voltou. O meu receio agora era o de enfrentar os colegas de classe. Por um lado estava com saudade de todos eles, mas por outro estava insegura imaginando o que eles pensariam ao verem minha nova condição. Minha mãe aconselhou-me a não deixar o sentimento de ansiedade tomar conta de mim.
Há momentos em nossas vidas em que é preciso tomar decisões, seja ela qual for. Pensei comigo: Ou enfrento os meus colegas agora ou não enfrentarei nunca mais. Tomei coragem e fui para o meu primeiro dia de aula. Quando cheguei à escola eu era o centro das atenções. Várias pessoas se aproximaram e perguntaram o que havia acontecido comigo. Alunos, funcionários da escola, mães de alunos, não foi fácil desvencilhar-me de todas aquelas pessoas. Era natural que isso acontecesse, afinal havia ficado fora da escola por dois meses e agora retornava com uma deficiência. É claro que as pessoas estavam curiosas, o problema é que os olhares e as perguntas nada discretas me incomodavam. Essa situação seguiu-se por vários dias. Ficava imaginando se conseguiria sobreviver a tudo aquilo e se um dia isso iria terminar. Nesses momentos, queria passar despercebida e queria que as pessoas me tratassem com naturalidade. Por que não poderia ser assim?
Os escritores Max Horkheimer e Theodoro W. Adorno no artigo “Elementos do Anti-semitismo” diziam que: “… como caracol que recolhe suas antenas num movimento de bloqueio ante o perigo premeditado”. “… pois sempre que o pequeno animal recolhe as antenas inibe também sua espontaneidade e curiosidade, tão necessárias para a experiência”. Assim eu me sentia, um verdadeiro caracol…
Algum tempo se passou, até que a minha presença na escola não estava causando tanta curiosidade e estranheza. Houve aproximação de alguns colegas que me deram as boas-vindas e me acolheram como também houve rejeição por parte de outros. Relatei sobre isso no artigo “Por que a deficiência causa estranheza? “. Apesar da rejeição de alguns, sentia-me aliviada, pois havia conseguido superar duas batalhas: o medo de ser discriminada e a insegurança que sentia diante dos meus colegas de classe.
Vera Garcia
Referência Bibliográfica
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Elementos do antisemitismo. In: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max (Orgs.). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editor, 1985.
Ainda bem que vc superou e ainda supera a insegurança minha querida.
Insegurança é coisa de ser humano.
Bjs.
É verdade, Fátima!
Infelizmente, durante muito tempo ansiava pela aprovação das pessoas. Preocupava-me muito com isso. É claro que de vez em quando bate uma insegurança, mas aprendi a me valorizar enquanto ser humano.
Obrigada, querida!
Beijos!
Vera
Querida Vera,
Lendo teu relato, fico aqui a imaginar o tamanho de sua coragem para vencer a nova condição… Não deve ter sido fácil…
É por isso que admiro cada vez mais você e aprendo muito também com tua força, com teu exemplo…
Obrigada por compartilhar conosco sua experiência que tem ajudado, tenho certeza, muitas pessoas, inclusive à mim, a darmos mais valor a tudo que temos, a tudo que somos…
Afinal, somos todos seres humanos, com nossas fragilidades e inseguranças e a vida é isso aí… vamos caminhar sempre com força e coragem, apesar de todos os obstáculos que por ventura, possam surgir…
Beijos, com profunda admiração por ti!
Você me emociona com suas palavras, Regina!
Mais uma vez, obrigada pela força, querida!!
Beijos!