Síndromes

“Tenho síndrome de Down e cuido da minha própria vida”

Compartilhe:
Pin Share
Amana Salles/Fotoarena Mônica mostra seu crachá do trabalho: a independência foi uma necessidade

Mônica mostra seu crachá do trabalho: a independência foi uma necessidade (Amana Salles/Fotoarena).

Por Verônica Mambrini

Mudanças de abordagem e estimulação precoce ampliam os horizontes de quem tem a síndrome. Conheça histórias de pessoas que estão quebrando barreiras

Mônica Ribeiro dos Santos tem 27 anos e trabalha como auxiliar administrativa em uma empresa de produtos hospitalares. Perdeu a mãe ainda criança e foi criada com a ajuda da irmã Jaqueline. Trabalha, estuda, ajuda nas tarefas de casa, adora ver novela. Na infância, ajudava a cuidar da sobrinha deficiente visual. Uma rotina comum, mas que se torna extraordinária ao levar-se em conta que Mônica tem síndrome de Down.

Mais do que um desejo dela e da família, independência foi uma necessidade. Para continuar estudando e trabalhando, Mônica encara três conduções lotadas para ir de casa, no Capão Redondo, para a Adid (Associação para o Desenvolvimento Integral do Down), no Brooklin, e depois para o trabalho, no Socorro. “Foi um sacrifício deixá-la ir sozinha, mas era importante”, conta Jaqueline.

Namoro sério entre jovens com Síndrome de Down
Mãe comemora a 2ª formatura de filho com Down: “superamos o preconceito”
Breno Viola coordena portal Movimento Down

Mônica já se perdeu. “Peguei a condução errada e pedi ajuda ao cobrador. Voltei ao ponto final e peguei o ônibus certo”, explica. Com a prática, passou o medo de errar (veja a rotina de Mônica no vídeo) .

Ela trabalha, namora, estuda, dá conta de seus cuidados pessoais – algo impensável para alguém com síndrome de Down décadas atrás.

Namoro e aliança de compromisso

A síndrome, que tem origem em uma alteração cromossômica, é um conjunto de sintomas associados a dificuldades cognitivas expressas no desenvolvimento físico e na fala. Dez anos atrás, acreditava-se que as pessoas com Down não teriam condições de levar uma vida normal e morreriam na adolescência, o que não é mais uma verdade absoluta.

Hoje, sabe-se que é possível atingir graus variados de independência e autonomia. “A síndrome se manifesta em níveis diferentes em cada pessoa. A estimativa é que apenas 2% tenham um grau cognitivo privilegiado”, diz Alda Lúcia Pacheco Vaz, coordenadora da Adid. Estes 2% poderão resolver problemas cotidianos sozinhos, aprenderão a ler, escrever e fazer contas, irão desenvolver vida social e terão uma autonomia relativa, como cozinhar para si próprios e se deslocar de casa ao trabalho.

Daniella Lamin, 25 anos, está quase lá. Trabalha, completou o Ensino Médio, leva a sério o hobby da dança e, se dependesse apenas de seu desenvolvimento cognitivo, poderia tranquilamente andar pelas ruas da Pompeia, bairro onde mora e trabalha. Na prática, está sempre acompanhada. “Ela sabe ir e voltar do serviço, pegar ônibus. Mas já tivemos uma experiência ruim. Uma vez deixei-a andando na minha frente e percebi que, ao se aproximarem e notarem que ela é ingênua, os homens mudaram o tratamento”, diz Linalva, mãe de Daniella.

Amana Salles/Fotoarena Daniella e o namorado Luis Otávio se conheceram em um grupo de lazer e estão juntos há dois anos

Daniella e o namorado Luis Otávio se conheceram em um grupo de lazer e estão juntos há dois anos (Amana Salles/Fotoarena).

Contornando esse tipo de limitação com a ajuda da família, Daniella segue nas atividades preferidas, como a dança. “Estou ensaiando para uma apresentação em dezembro”, conta. Ela vai participar de praticamente todos os números: do funk ao balé clássico, passando por flamenco, jazz e sapateado.

Há dois anos namora Luis Otávio. Eles se conheceram no “Vamos Juntos”, grupo que leva pessoas com Down para atividades de lazer, como cinema e baladas, sem a companhia da família. “Uso aliança de compromisso. Vamos a vários lugares juntos, até já viajamos”, conta Daniella. Por hora, nenhum dos dois fala em casamento.

Ingenuidade e autonomia

Hoje, o propósito dos educadores e familiares das pessoas com a síndrome é dar a maior autonomia possível dentro das possibilidades de cada um.

Neste caminho, o que faz diferença é o estímulo precoce, oferecido desde a infância, e o apoio específico para dificuldades ligadas à síndrome, como aulas de fonoaudiologia para melhorar a dicção ou oficinas práticas para lidar com dinheiro. “O maior problema para quem tem Down é uma certa ingenuidade e dificuldade de lidar com pensamentos abstratos. Uma frase como ‘estou pisando em ovos’ é entendida literalmente”, explica Alda.

“Há dois tipos de autonomia: a de ação, que envolve atos como cuidados pessoais e tarefas domésticas, e a autodeterminação, que implica em fazer escolhas, como querer mudar de emprego”, afirma a coordenadora. Manter rotinas e ambientes organizados também ajuda quem tem a síndrome a ser mais autônomo.

Autodeterminação é uma das conquistas de Caio Zanzini, 23 anos. “Projeto” é uma das palavras preferidas do jovem, que tem vários planos para o futuro. Ele trabalha como assistente administrativo no Senac. “Hoje, vou ao trabalho com meu pai ou minha mãe, mas um projeto para o ano que vem é ir de ônibus”, conta, animado. No emprego anterior, a distância era menor e ele ia sozinho, a pé.

Caio é o “quase promoter” das baladas que a Adid promove semestralmente para os alunos e está reativando o grêmio da instituição, além de se dedicar à música. “Adoro música, cantar, tocar piano. Dei uma parada com o piano e fui para a bateria, para me ajudar com ritmo. Bateria me faz soltar as emoções.”

Caio Zanzini, 23 anos, é bastante autônomo e independente. Na rotina, cabem também os treinos de krav maga, prática de defesa pessoal  (Foto: Amana Salles/Fotoarena)
Caio Zanzini, 23 anos, é bastante autônomo e independente. Na rotina, cabem também os treinos de krav maga, prática de defesa pessoal (Foto: Amana Salles/Fotoarena)

Com estreia prevista para novembro, o longa “Colegas”  foi o grande vencedor do último Festival de Gramado. Estrelado por atores com síndrome de Down , foi aplaudido em cena aberta durante sua exibição. O diretor, Marcelo Galvão, conviveu com um tio que tinha a síndrome e espera quebrar alguns preconceitos com a história. “A partir dele, as pessoas vão desenvolver um olhar diferente para a síndrome de Down”, disse.

Fonte: IG

Compartilhe:
Pin Share

Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

2 comentários sobre ““Tenho síndrome de Down e cuido da minha própria vida”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!

Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Importante: Este site faz uso de cookies para melhorar a sua experiência de navegação e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nosso site, você concorda com tal monitoramento.