Um caminho promissor contra a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)
A história do primeiro brasileiro que conseguiu melhorar dos sintomas da Esclerose Lateral Amiotrófica depois de se submeter a uma terapia pioneira com células-tronco.
Mônica Tarantino
Na semana que vem, os hematologistas Adelson Alves e Elíseo Sekiya, de São Paulo, irão revelar aos cientistas reunidos no congresso mundial da Sociedade Internacional de Terapia Celular, a ser realizado entre 21 e 25 de abril, na Nova Zelândia, as conquistas obtidas pelo agrônomo Henrique Dias, 68 anos. Ele é o primeiro paciente brasileiro tratado com infusões de células-tronco que obteve uma melhora importante de alguns sintomas da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Degenerativa, a doença leva ao enfraquecimento muscular progressivo. Aos poucos, o paciente perde a capacidade de andar, falar e até de deglutir. Em geral, a morte ocorre três anos e meio após sua manifestação. O trabalho descrevendo o tratamento de Henrique será publicado na revista científica “Cytotherapy”.
Não se conhecem ao certo as causas da doença, mas sabe-se que os prejuízos são resultado da morte gradual dos neurônios envolvidos no controle motor do organismo. Por essa razão, desde a intensificação das pesquisas com células-tronco, essas estruturas passaram a figurar como uma possibilidade de tratamento contra a enfermidade. Dotadas da capacidade de se transformar em outros tipos de células, a esperança é de que, uma vez alojadas no local onde a morte neuronal ocorre, elas possam, de alguma forma, melhorar a comunicação entre as células que restaram.
Há no mundo alguns protocolos de estudo usando células-tronco contra a doença – um deles é o da respeitada Clínica Mayo, nos EUA. O caso do brasileiro chama a atenção por trazer à vista benefícios significativos desse gênero de terapia. Desde outubro do ano passado, quando tomou a terceira infusão de células-tronco, Henrique vem mantendo as melhoras advindas do tratamento. Uma delas foi voltar a falar com clareza. “Antes, eu falava tão enrolado que as pessoas tinham dificuldade de entender. E não movimentava mais os braços”, diz. Hoje, 16 meses depois da primeira aplicação, o agrônomo atende o celular, segura e aciona os controles da tevê e digita no computador. Além disso, com apoio de outra pessoa, consegue dar alguns passos.
Diagnosticado em 2006, ele decidiu fazer todos os tratamentos conhecidos e, por fim, saiu à procura de terapias com células-tronco. Por sugestão de um dos três filhos, Henrique procurou o hematologista Adelson Alves, que está à frente da CordCell, um banco de armazenamento de células do cordão umbilical onde funciona também um centro de pesquisas de terapia celular. Como não existem trabalhos conclusivos sobre a terapia celular contra a enfermidade, os pesquisadores pediram a autorização de comitês de ética para ministrá-la a Henrique. A aprovação foi dada para três aplicações em caráter compassivo, ou seja, quando não há mais outro tratamento.
A primeira infusão levou para dentro do corpo do agrônomo dez milhões de células-tronco mesenquimais, que podem se diferenciar em tecidos ósseos, cardíacos, conjuntivos e nervosos. Foram extraídas do tecido gorduroso do próprio Henrique (obtidos por uma minilipoaspiração no abdome) e multiplicadas em laboratório. Depois, foram injetadas no canal de sua medula óssea, onde circula o líquor, líquido presente no cérebro. “Nessa fase, observamos a segurança e possíveis efeitos colaterais”, diz o hematologista Sekiya.
Emocionado, Henrique conta que, na primeira semana após essa infusão, ele se levantou sozinho da cadeira e ensaiou alguns passos, mas a melhora foi passageira. Ficou em observação até setembro, quando recebeu nova dose, desta vez de 50 milhões de células. Um mês depois, foram mais 100 milhões. “Desde então, mantenho as melhoras em movimentos da mão direita e da fala. É a primeira luz no fim do túnel que vejo desde que fui diagnosticado”, conta Henrique. Os pesquisadores estão avaliando com exames clínicos e de imagem como as células-tronco promoveram a melhora.
A esperança dos especialistas no poder dessas estruturas é proporcional à sua cautela. “É fundamental avançar no estudo da qualidade e das vias de infusão das células-tronco”, diz a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo. Há dois anos, a cientista aplicou em pacientes com a doença células mesenquimais tiradas da sua gordura. “Não vimos melhora. Mas era uma tentativa e precisava ser aprimorada. Nesse campo, há muitas perguntas a serem respondidas.”
Uma delas é sobre a frequência das aplicações. As experiências feitas até agora indicam que infusões repetidas podem melhorar a condição das células nervosas. “Parece que elas se comunicam melhor, mas não se sabe por quais mecanismos”, diz o neurologista Acary Oliveira, especialista em doenças neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo. “As notícias de bons resultados com as células-tronco em pacientes de ELA renovam esperanças, mas é importante dizer que isso ainda não é um é tratamento”, lembra o médico.
Fonte: ISTOÉ Independente