Um Futuro Negado: As Crianças com Microcefalia e o Veto Presidencial
A recente decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vetar o projeto de lei que previa pensão vitalícia e indenização para crianças com microcefalia e outras deficiências relacionadas ao vírus da zika trouxe uma onda de indignação e frustração para as famílias afetadas. Esse veto representa muito mais do que uma negativa de suporte financeiro: ele reflete a falta de sensibilidade com a realidade enfrentada por essas crianças e seus cuidadores.
O projeto, elaborado após quase uma década de discussões e aprovação unânime no Congresso, oferecia uma indenização de R$ 50 mil e pensão vitalícia com base no teto do INSS, valores que poderiam dar às famílias algum alívio diante das despesas altíssimas com terapias, cirurgias e cuidados essenciais. No entanto, a justificativa do governo, centrada em questões orçamentárias e jurídicas, ignora o aspecto humano da proposta.
Uma Decisão Fria em Meio ao Sofrimento
O argumento de que o projeto viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias soa como uma desculpa técnica para evitar a responsabilidade social. Sim, há regras orçamentárias a serem respeitadas, mas será que elas devem prevalecer sobre a necessidade de assegurar dignidade a milhares de famílias? É desumano imaginar que uma criança com deficiência severa, que depende de terapias constantes e procedimentos médicos caros, tenha sua assistência limitada por uma “ausência de fonte de custeio”.
A medida provisória proposta como alternativa, que oferece R$ 60 mil em parcela única, é insuficiente e excludente. Esse valor cobre apenas uma fração dos custos que as famílias enfrentam mensalmente. Como bem pontuaram as mães, é um “cala-boca”, uma tentativa de silenciar vozes que clamam por justiça e apoio real.
O Impacto Humano Esquecido
O veto não afeta apenas números no orçamento; ele aprofunda o sofrimento de famílias que já enfrentam desafios imensuráveis. Essas mães e pais não pedem luxo ou privilégios, mas o básico para cuidar de seus filhos. Muitas dessas crianças dependem de terapias que podem chegar a R$ 10 mil por mês. Em alguns casos, procedimentos cirúrgicos caros são necessários para garantir qualidade de vida. O que o governo oferece em troca? Uma compensação única, que mal cobre um semestre de cuidados.
O presidente justifica que a proposta criaria um “tratamento não isonômico em relação às demais pessoas com deficiência”. No entanto, o que o presidente não parece compreender é que essas crianças enfrentam uma condição específica e única, diretamente associada a um surto de saúde pública que o governo da época não conseguiu conter. Há uma responsabilidade histórica e moral que não pode ser ignorada.
Uma Solução que Não Vem
Mais do que indignação, esse episódio revela uma verdade amarga: o Brasil ainda falha em proteger suas populações mais vulneráveis. O veto é um lembrete de como as decisões políticas, muitas vezes, não refletem a realidade das ruas, das casas, dos hospitais e das famílias que carregam o peso de uma deficiência permanente causada por negligência coletiva.
A solução para essas famílias deveria ser construída com diálogo e empatia. Não é aceitável que o governo tome decisões unilaterais sem ouvir as vozes de quem vive essa realidade diariamente. É necessário reabrir as negociações, encontrar fontes de custeio, priorizar o que realmente importa: a vida e o bem-estar dessas crianças.
Uma Pergunta que Fica
Quantos outros grupos de pessoas vulneráveis terão suas esperanças frustradas em nome de uma tecnocracia insensível? Enquanto isso, essas mães e pais de crianças com microcefalia continuam lutando, como sempre fizeram, mesmo diante de um sistema que parece tê-los abandonado.
As crianças com microcefalia e suas famílias não podem continuar sendo invisíveis. É hora de o governo olhar além dos números e priorizar as pessoas. Afinal, quem deve pagar pelo preço de uma omissão histórica?